A semana que passou trouxe uma carrada de idas e vindas na confusão institucional em que o país vive mergulhado e, se não bastasse isso, um retrocesso na área da educação de fazer corar um monge (ou seria uma freira?).
Ninguém poderia imaginar que o voto da presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, fosse nos fazer regressar ao que há de mais obscurantista num Estado laico: permitir o ensino confessional de religião em estabelecimentos públicos!
Ao mesmo tempo em que não são poucas as pessoas que, aos berros ou urros – como quiserem –, se insurgem contra a discussão sobre orientação sexual nas escolas, voltamos a tempos de antanho, quando ou se liberava a criança do horário da aula de religião, ou ela tinha que ficar perambulando pela escola, à espera da próxima disciplina a que deveria comparecer. A decisão do STF reinaugura uma escandalosa maneira de se patrocinar ou promover o “bullying”: contra os estudantes que comparecem às aulas de religião e/ou contra os que dela não fazem parte. Onde andam as cabeças coroadas de nossos mais altos magistrados? Interpretar a Constituição Federal, e nela os direitos individuais e/ou sociais, significa apenas confrontar textos legais, e não atentar para o que a vida ao redor requer? Deve prevalecer a consciência religiosa do magistrado sobre a tolerância que tanto se deseja ver inscrita nas consciências dos que integram uma sociedade?
Quem quiser conhecer o inferno dos que são perseguidos por professores que fazem exigências descabidas ou que humilham as criança de outras crenças religiosas, sobretudo os adeptos do candomblé no Brasil, só precisa ter olhos para ver e ouvidos para ouvir.
E o que mais impressiona: os professores são pagos com dinheiro público – nada diferente da velha côngrua de antes da Proclamação da República! Quem quiser ler um depoimento corajoso e comovente veja a mensagem de dom Joaquim Giovani Mol Guimarães, bispo auxiliar de Belo Horizonte e reitor da PUC Minas (IHU, 28.9.2017). E quem define se o professor está ou não bem preparado para ministrar aquelas aulas?
Toda essa confusão nasceu lá atrás, sob as bênçãos do papa Bento XVI, quando Lula assinou um acordo com a Santa Sé sobre o Estatuto da Igreja Católica no Brasil, da qual derivou o Decreto 7.107/2010 com um anexo cujo artigo 11 se choca com os dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996).
Recordo-me com detalhes das pressões que sofremos para não aprovar o caráter estritamente laico da educação no Brasil à época. Eu fazia parte da Câmara dos Deputados.
E quem quiser ter detalhes da discriminação e do preconceito contra quem professa outra crença, que leia “Educação nos Terreiros e como a Escola se relaciona com o Candomblé”, de Stela Guedes Caputo, editado pela Saraiva.
Enfim, prevaleceu, como disse Luiz Antônio Cunha em entrevista à Deutsche Welle, “a ideia de que o cidadão precisa ser religioso, e quem não é vai ter uma educação parcial ou errada”.
Isso tem de acabar.
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