O que foi feito do cara que compôs “É Proibido Proibir” e do autor de “Calabar, Elogio da Traição” e da voz que eternizou “Cálice” e da mente que ajudou a divulgar o “creative common”?
Bandearam de lado, meus caros. Os outrora perseguidos, indignados com qualquer forma de censura agora, não apenas são a favor, mas lutam, se unem e fazem lobby pela “autorização prévia” para a comercialização de livros biográficos.
Capitaneados por Paula Lavigne, Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento e Gilberto Gil, citados no primeiro parágrafo, integram o sugestivo grupo Procure Saber, que ainda conta com Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Djavan.
E o que é o Procure Saber? É, nas palavras de Paula Lavigne, “uma associação de representatividade, que reúne autores musicais e intérpretes para tratar de questões relevantes para esses profissionais (...). Também é uma plataforma profissional de atuação política em defesa dos interesses da classe”.
O grupo pôde ser visto em Brasília recentemente, pedindo apoio da presidente Dilma Rousseff e da ministra Marta Suplicy pela aprovação da lei que modifica a forma como os direitos autorais são geridos no país.
Saíram vitoriosos.
Agora, a luta é outra: é para impedir que o Projeto de Lei 393/11, de autoria do deputado Newton Lima (PT), seja aprovado. O projeto quer alterar os artigos 20 e 21 do Código Civil, que hoje permitem a parentes, herdeiros ou qualquer pessoa citada no texto requerer a não publicação de informações consideradas indevidas.
Foram esses artigos que “autorizaram” Roberto Carlos a retirar das livrarias a sua biografia escrita por Paulo César de Araújo, em 2007. Do mesmo instrumento lançaram mão as herdeiras de Garrincha, o que resultou na proibição durante uma década de “Estrela Solitária”, de Ruy Castro.
Para editores e autores, o que querem Caetano, Gil Chico, Djavan, Milton, Roberto e Erasmo Carlos é cercear a liberdade de expressão, é um entrave que inviabiliza o acesso democrático à informação.
Para a porta-voz do Procure Saber, “usar o argumento da liberdade de expressão para comercializar a vida alheia é pura retórica”, mas ela, curiosamente, cita a Constituição para dizer que “as pessoas públicas e notórias” também têm direito inviolável à sua intimidade e vida privada.
Mas o que parece querer Paula Lavigne e seu grupo – mais do que preservar a privacidade – é grana, já que ela acha injusto ‘‘só os biógrafos e editores lucrarem’’ e nunca o biografado ou seus herdeiros com as publicações.
Curioso. Como disse alguém no Facebook: “Se fosse herdeiro de Marighela, entrava agora com um processo contra Caetano. Ou ele pediu autorização para fazer a canção ‘O Comunista’”?. Caetano não lucra com a “homenagem” ao guerrilheiro?
Paula acredita, meus caros, que se corre o risco “de estimular o aparecimento de biografias sensacionalistas, em um país em que a reparação pelo dano moral é ridícula”.
Então por que Paula e seu grupo não lutam, se unem e fazem lobby para fortalecer a Justiça brasileira? Por que não usar toda a força que essa turma tem para fazer deste um país realmente democrático, onde haja liberdade de expressão e uma Justiça que funcione?
Lembro-me da entrevista que fiz com Fernando Morais, quando este lançou “O Mago”, biografia de Paulo Coelho. Ele me contou ter ficado em dúvida sobre publicar ou não trechos polêmicos como o que o escritor induz uma namorada ao suicídio, as internações no hospício, seu envolvimento com drogas e o pacto que ele fez com o diabo. Mas os conflitos éticos de Morais cessaram quando ele chegou à conclusão de que não tinha por que submeter o público a uma censura que Paulo Coelho não tinha imposto a ele. O resultado é uma das melhores biografias já publicadas no país.
Se o Procure Saber sair-se vitorioso mais uma vez, o que teremos é o fim das biografias, porque autores se dizem desmotivados a dedicar anos e anos de pesquisa para, ao fiml de tudo, ser impedidos de publicar seus livros. Ou pior, só teremos biografias chapa-branca.
Quem perde com isso? Todos os brasileiros, mas, em particular, aqueles que acreditaram que Chico, Caetano, Gil e Milton falavam a verdade, lá atrás. Não falavam.
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