O Brasil perdeu. Não são muitos os políticos que agregam as qualidades mostradas em vida por Eduardo Campos. Além da linhagem do avô, Miguel Arraes, em sua meteórica trajetória se destacava a capacidade de administrar seu Estado, habilitando-o para tarefas maiores.
Fascinantes a atenção e a perspicácia com as quais seguia os temas mais complexos levados pelo visitante. Não delegava o raciocínio, não empurrava para escanteio, assumia quase imediatamente a responsabilidade de responder com clareza.
Não era certamente uma esfinge que, depois de um encontro, deixa mais dúvidas ao interlocutor. Dele se tinha a certeza daquilo que se podia esperar.
Sabia ouvir, questionar, aprofundar, dissecar o assunto, assim como dar seu veredicto correto. A percepção que se tinha era de uma pessoa realmente interessada na solução dos problemas alheios. Desnudava com seus olhos claros o interlocutor, mas sem gerar incômodo. Possuía ainda a humildade e a capacidade de captar com precisão o cerne da questão. Com essas virtudes, tinha mesmo que ter sucesso.
A decolagem de sua candidatura, ele dizia, era questão de tempo. Praticamente desconhecido no Sul e no Sudeste, menos identificado como “oposição”, que Aécio exerceu com afinco nos 12 anos de governo petista, aguardava a oportunidade se apresentar.
Tratava familiarmente os assessores, os envolvia em seus projetos na obstinada luta de “desenvolver Pernambuco”. Enxergava-se nele o treinador do time, a estrela-guia de uma caravana, a autoridade moral, o carismático líder.
A última vez que conversei com ele foi dia 27 de junho, na antevéspera da decisão de lançamento de candidaturas para o governo de Minas. O PSB, ainda sem candidato, e o PHS, partido ao qual sou filiado, negociavam uma aliança “impossível” aqui em Minas, Estado de estrelas como Aécio e Dilma, Pimenta e Pimentel. Por falta de opção, convidou-me a encabeçar a chapa para o governo de uma coligação de “pobres”, com um “socialista” de vice e três minutos de propaganda.
Muitas conversas naqueles dias, e o plano que oferecia era de um palanque respeitoso a Aécio para ele se mostrar serenamente. Depois adotou a linha Tarcísio e também se perdeu um pouco de serenidade.
Ele acreditava que os 3% de intenções que meu nome recolhia seriam suficientes para uma “aposta”, já que 57% dos entrevistados me identificavam como “candidato em quem poderia votar com certeza”, provavelmente por via de jornais populares que fundei e me deram certa notoriedade. Não me fez mudar de opinião a respeito de minha inviabilidade eleitoral, mas deu-me alegria ouvir que tenho “perfil de realizador” que não o envergonharia, ao contrário.
Fiquei desbaratado por alguns dias, sem me reconhecer no espelho, enfim encontrei na sensatez das minhas filhas em pranto constante a decisão de declinar do convite e viajar “com tutti quanti” para a casa de minha mãe. Depois de um bom descanso e muita paz, voltei apaziguado comigo e nunca mais falei com ele.
Meu esforço em Minas desagradaria. Imaginar eu, nascido na Itália, abrindo palanque a um “pernambucano”. Um insulto à mineiridade, me transformaria em traidor, carne fresca para as feras. Ainda mais com a pálida perspectiva de levar ao segundo turno, com os poucos de votos que receberia, a disputa que todos acreditam ganhar no primeiro com larga margem.
Disse a Eduardo nos encontros que tive com ele que apenas poderia forçar a discussão com os demais e levar novas ideias de desenvolvimento ao debate – patrioticamente estimular ideais de justiça e progresso.
Sempre acreditei que o Brasil e Minas, para não se envergonhar, deitados em incalculáveis potenciais, deveriam crescer o dobro de quanto registra a China comunista. Tirar da miséria a população, dar-lhe emprego digno, emancipá-la e dar-lhe acesso à cidadania. Ainda pesa na minha visão a necessidade de exemplos estoicos de dignidade e honestidade, de que carecem gravemente parte dos governantes que se apresentam como donos dos cofres públicos, para os quais, paradoxalmente, nunca contribuíram, e dos quais apenas tiram de mãos cheias.
Eduardo dizia que estava disposto a quebrar o círculo e daria outro impulso ao país. Escutá-lo fazia bem aos ouvidos de quem ama este país.
Deixava claro sua contrariedade a Dilma, citava Aécio com respeito, definia o PT, com quem ele se aliou por longo tempo, como um partido “exaurido”, mas criticava as “vaidades e lutas no ninho tucano”.
Depois de muito namoro com Lula, ele chegava a alterar o semblante ao citar o nome do “pernambucano de Garanhuns” e deixava que seu assessores criticassem “quem chegava em Recife dando ordens” e se “achando o imperador” até Eduardo peitá-lo e vencê-lo nas eleições municipais em 2012.
Um dia antes de morrer, no final da entrevista à Globo News, negou a credibilidade das pesquisas divulgadas até então, afirmou que ele estava com 20% de frente em sua terra e não atrás de Dilma como se estampava.
Marina Silva caiu no quintal de Eduardo como um meteorito. Certamente essa combinação não ficaria apenas nos 9% das últimas pesquisas. Ele contava que seria reconhecido como “o mais preparado”.
Ontem, uma enquete telefônica realizada em BH mostrava Aécio com folgada liderança, Dilma caía ao terceiro lugar e Marina avançava para o segundo. Em Minas, a tendência é de corrosão de Dilma, mas, em outros Estados, Marina estaria corroendo Aécio.
Interessante será ver como as denúncias de conspirações e atentados que pululam nas redes sociais serão interpretadas pelos eleitores.
Se Marina realmente for definida como a candidata do PSB, os sinais são de acirramento da disputa, especialmente com a economia patinando no Brasil, como nunca patinou nos últimos anos.
A triste certeza que sobra, é da irreparável perda que sofreu essa nação.
Adeus Eduardo.
Clique e participe do nosso canal no WhatsApp
Participe do canal de O TEMPO no WhatsApp e receba as notícias do dia direto no seu celular
O portal O Tempo, utiliza cookies para armazenar ou recolher informações no seu navegador. A informação normalmente não o identifica diretamente, mas pode dar-lhe uma experiência web mais personalizada. Uma vez que respeitamos o seu direito à privacidade, pode optar por não permitir alguns tipos de cookies. Para mais informações, revise nossa Política de Cookies.
Cookies operacionais/técnicos: São usados para tornar a navegação no site possível, são essenciais e possibilitam a oferta de funcionalidades básicas.
Eles ajudam a registrar como as pessoas usam o nosso site, para que possamos melhorá-lo no futuro. Por exemplo, eles nos dizem quais são as páginas mais populares e como as pessoas navegam pelo nosso site. Usamos cookies analíticos próprios e também do Google Analytics para coletar dados agregados sobre o uso do site.
Os cookies comportamentais e de marketing ajudam a entender seus interesses baseados em como você navega em nosso site. Esses cookies podem ser ativados tanto no nosso website quanto nas plataformas dos nossos parceiros de publicidade, como Facebook, Google e LinkedIn.
Olá leitor, o portal O Tempo utiliza cookies para otimizar e aprimorar sua navegação no site. Todos os cookies, exceto os estritamente necessários, necessitam de seu consentimento para serem executados. Para saber mais acesse a nossa Política de Privacidade.