Não por ter me tornado jornalista esportivo, e sim por caminhos naturais da vida mesmo bem antes de abraçar a profissão, passei a ter uma relação com todos os esportes numa linha dentro do que Schopenhauer classificaria como “fruição desinteressada”. O elo, o vínculo se materializam não afincados na vontade que nos domina; já nem me lembro desde quando projetei em alguma instituição um tipo de idealização que se enquadrava neste escopo. Ver gente que respeito tanto intelectualmente se relacionar com um clube de maneira tão fervorosa às vezes me dá um tipo de nostalgia do que não vivi; me dá uma pontinha de inveja por alguém se importar tanto com aquilo. Pensemos na paixão que o genial Fred Melo Paiva nutre pelo Galo; na loucura que um historiador da envergadura de um Peninha vive a cada momento em que o seu Grêmio entra em campo. A lista poderia continuar, claro, com pequenas variações no grau de envolvimento: André Barcinski com o Fluminense, Marcelo Adnet e seu glorioso, Carpinejar e Veríssimo com o Colorado...
Volta da paixão
Um dos grandes amigos que fiz no mestrado em filosofia, Eduardo Dolabela, depois da vitória do Atlético sobre o Cuiabá no domingo, compartilhou comigo relatos eufóricos pelo seu retorno ao Mineirão. Agora no doutorado, e se apresentando como músico de primeira linha, meu ex-colega reconhece que sua conexão com o alvinegro revela-se muito mais nietzschiana; nada de negação, de desligamento da vontade; afirmação, euforia, entrega, catarse, desopilar... O ceticismo que carrego com relação ao futebol moderno – justamente por ele estar se aproximando a passos largos do formato americano (esporte como entretenimento pasteurizado) – não aparece suficiente para frear a euforia de pares que, em temas muito mais importantes do que o esporte bretão, são tão pessimistas quanto eu.
Raiz
Em larga medida, detesto como a suposta dicotomia entre “Nutella” e “Raiz” se espalha. Dito isso, não me recordo de ter me tocado tanto com uma imagem futebolística quanto num vídeo que encontrei na internet postado por um perfil no Twitter chamado “La Okocha”. Um Feyenoord com Cruyff e Gullit em campo, quebrando um jejum de dez anos sem ganhar o título nacional, visitando o Willem II. Não dá para descrever. Apenas procurem na Internet e façam menos de dois minutos iluminarem uma melancólica tarde de home office. Se você não enxerga a beleza ali, não sou eu que conseguirei explicar.
Celulares
Um dos meus raros e mais especiais leitores, integrante da pequena – porém nada schopenhaueriana – “Galo Oasis”, meu querido amigo Dennis é um dos meus interlocutores prediletos para falarmos da gentrificação com a qual o futebol não para de padecer; numa partida do Galo recente, um entrou na mente do outro quando um pênalti foi cobrado no Gigante da Pampulha: a câmera cortou para a “arquibancada” gourmetizada, e não havia uma mísera alma no largo enquadramento que não estava com o celular erguido. Essa talvez seja a moléstia interminável que nosso século enfrentará: nem abnegação nem descarga...
Esperando
“A felicidade, desesperadamente”, pode parecer um título de autoajuda – na acepção formulática e adotada por coaches de Instagram; para quem conhece André Comte-Sponville – infelizmente, basicamente ninguém na grande proporção das coisas –, óbvio, nenhuma dúvida surgiria: o pequeno tratado filosófico exala sabedoria tão simples quanto profunda; e, de certa maneira, traz a filosofia de volta para o lugar de onde ela nunca deveria ter saído – a arte de aprender a viver. “Esperando viver, nunca vivemos”, diriam o mencionado gênio francês, Pascal – objeto de mestrado do meu amigo Eduardo –, e Schopenhauer – tópico que eu pesquisei na minha dissertação.
Contraponto
Sem idealização; sentimentos nuançados: a inveja dos apaixonados não inviabiliza a frequente percepção de que o futebol não importa.