Caso Backer

Leveduras usadas na cerveja podem produzir dietilenoglicol?

Especialistas explicam o que pode ocorrer durante a fermentação; estudos contrariam advogado da Backer

Por Renata Abritta
Publicado em 09 de março de 2020 | 10:51
 
 
 
normal

Na última quarta-feira, Estêvão Nejim, advogado da Cervejaria Backer, informou, durante audiência pública na Câmara Municipal de Belo Horizonte, que laudos e análises identificaram “traços, chamados de sinais instrumentais, de mono e dietilenoglicol em várias outras marcas de cerveja”. O advogado disse ainda que estudos apresentados indicam que “a própria fermentação, por uma reação química, pode dar ensejo à presença desses traços instrumentais”.

O mercado cervejeiro reagiu com indignação a essa declaração. “Foi uma alegação absurda e depreciadora do setor, estamos todos revoltados com isso”, declarou Marco Falcone, diretor regional da Abracerva e vice-presidente do Sindbebidas-MG.

A Backer informou, por meio de nota, que chegou a essa conclusão após iniciar um processo de apuração próprio. Para isso, solicitou o trabalho de laboratórios independentes, cujas análises comprovaram a presença dos tais traços e que o fato de existir essa substância na cerveja não torna o produto impróprio para o consumo.

Mas o que dizem os especialistas? As leveduras, responsáveis pelo processo de fermentação da cerveja, seriam capazes de produzir a substância tóxica?

Fermentação

No processo de fabricação de cervejas, o principal papel das leveduras é converter os açúcares extraídos dos cereais, como o malte de cevada, em álcool e gás carbônico por meio da fermentação, como explica Luciana Brandão, CEO no Laboratório da Cerveja.

“Durante a fermentação, a levedura produz centenas de compostos, que nada mais são do que produtos do seu metabolismo, que vão contribuir principalmente com características sensoriais únicas do produto final. Um bom exemplo disso são os sabores e aromas frutados em cervejas belgas. Apesar de existirem várias linhagens de leveduras para a produção de cervejas, todas elas produzem glicerol, dicetonas vicinais (VDK), álcoois, ésteres, ácidos orgânicos e diversas substâncias contendo enxofre”, explica.

O autor do livro “Microbiologia da Cerveja”, Carlos Henrique Menezes e Silva, doutor em microbiologia e diretor técnico do Laboratório Cetan, de Vila Velha (ES), reforça que há vários subprodutos da fermentação cervejeira e que não há relato da produção de mono ou dietilenoglicol em condições normais desse processo conduzido pelas cervejarias.

“A produção desses compostos não está relacionada à fermentação clássica da levedura Saccharomyces Cerevisiae. Alguns estudos experimentais em laboratório podem até simular a produção destes e até de outros subprodutos, mas não em condições normais do processo produtivo em uma cervejaria comercial”, explica.

O idealizador do Beer School, professor doutor Jamal Awadallak, da Universidade Federal do Paraná, também defende que na literatura científica não existem relatos sobre a produção das substâncias tóxicas.

“Há um único caso na literatura científica até o dado momento que afirma que, em condições específicas, o MEG (monoetilenoglicol) possa ser produzido em quantidade quase desprezível por uma linhagem particular de levedura que não é usada no processo cervejeiro. Esse estudo afirma que, para haver efetivamente a produção de MEG por parte do fermento, seria necessário fazer uso de modificações genéticas para que ele atuasse para essa finalidade, algo que foge aos interesses e objetivos de uma microcervejaria”, pontua.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!