FABRÍCIO CARPINEJAR

Minas é um ovo

Minha sensação de fora é que todos conhecem todos. Ou são primos ou são parentes


Publicado em 14 de julho de 2019 | 03:00
 
 
 
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Conhece alguém de Curvelo?

Você vai achar um parente que morou ou passou por lá. Mineiro acaba localizando um vivente. Como se Minas fosse um ovo. Não tem erro.

As amizades são feitas desse jeito por aqui. Na conversa, o sobrenome puxa uma família que puxa um laço remoto, e está feita a magia:

– Ah, tenho um conhecido em Curvelo.

A intimidade passa a ser estabelecida pelo nome em comum.

Posso ser rebatido a partir da constatação de que Curvelo é uma cidade portentosa, de 80 mil habitantes, então vamos experimentar com uma cidadezinha menor, de nome curioso, com 3.500 moradores.

– Conhece alguém de Catas Altas da Noruega?

Nossos leitores, sem exceção, vão encontrar algum senhor ou senhora que veio desse simpático lugarzinho. A varredura do paradeiro é implacável.

Tente com Governador Valadares. Ou Pouso Alegre. Brinque com o mapa. Rodas de conversas no Mercado Central são como jogar War.

Minha sensação de fora é que todos conhecem todos. Ou são primos, ou são parentes. Nunca vi um círculo tão perfeito, a concretização da utopia da Roça Grande.

Se pronunciássemos os nomes dos 853 municípios mineiros, não fugiríamos da estatística. Ainda conseguiríamos 100% de aproveitamento.

Aliás, repare que Minas é o estado com maior número de municípios do país, houve uma forte adesão à emancipação: distritos se tornando cidades, cidades se multiplicando em novas cidades. Representa o maior exemplo urbano de divisão de células no Brasil: o que chamo de “Mitose e Meiose Uai”.

Parece que o povo se espalhou de verdade, os clãs foram colocando seus representantes e emissários do sul ao norte, do leste ao oeste, fundando centro de tradições mineiras pela imensidão das montanhas.

Minha mulher é de Belo Horizonte, mas tem família em Rio Espera. É um hábito: ser da capital com uma família no interior. Feriados existem para visitar o berço da genealogia. As estradas estão engarrafadas de saudade.

A principal hipótese da teoria do ovo é que Belo Horizonte é muito recente. Tem 121 anos, abarcando quase seis gerações. Quem está nascendo agora pode ter um bisavô belo-horizontino. Mas quem nasceu nos anos 90, não. Seu bisavô terá sido gerado em outra localidade e migrou depois para a capital.

Assim, Belo Horizonte é o interior do interior, formada de egressos de diferentes localidades. É um polvo urbano com tentáculos pelas mais distantes comarcas.

É uma Babel dos múltiplos sotaques, incorporando também características dos Estados limítrofes (Bahia, São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Distrito Federal).

Como Belo Horizonte já foi interior, o antigo Curral del Rei enquanto Ouro Preto existia como capital, mantém o espírito vivo da vizinhança, onde há o interesse contínuo e charmoso pela procedência de cada amigo.

Tanto que o primeiro nome é uma mera formalidade. Nem conta pontos. Pergunta-se, de cara, quem é o seu pai e a sua mãe. Forasteiros estranham o excesso de perguntas pessoais. Porém, qualquer encontro tem a dinâmica de um divertido interrogatório das origens.

A curiosidade mineira é essencialmente ancestral. Os acontecimentos são sempre recentes no sangue.

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