FABRÍCIO CARPINEJAR

Quando o mineiro pede carona

'Ele realmente não fala. Não nasceu para ser Waze. Diz tudo o que poderia dizer no início da viagem e se encontra agradecido pelo favor em completo silêncio.'


Publicado em 12 de julho de 2020 | 03:00
 
 
 
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Quando mineiro pede carona, ele explica onde é a sua casa ao sair. Apresenta detalhadamente o itinerário e depois se cala. Acredita que você entendeu. 
 
Quem guarda a informação de mais de uma rua entre quinze mencionadas? Talvez só Forrest Gump. 
 
Mas o mineiro jura que prestou atenção e tem a cidade decorada tanto quanto ele, que é bem capaz de passear pelas artérias e avenidas principais como se conhecesse todas as bancas do Mercado Central. 
 
Daí você dirige tranquilamente confiando que será lembrado do percurso assim que surgir algum dilema. Prepare-se para a adrenalina de guinadas, rés, cavalo de pau, cantar pneu. Experimentará as questões inteiras e extravagantes da prova prática do Detran. 
 
Sempre passo reto pela rua em que deveria ter entrado. O mineiro não cai em pânico, me olha com uma calma de quem vai perguntar outra coisa, sem nenhuma pressa, num tom sussurrado: 
 
- Qual caminho está fazendo? 
- O seu, é o único que sei, respondo. 
- É que você deveria ter entrado antes. 
- Mas por que não me lembrou? 
- Pensei que soubesse. 
 
Oferecer carona a um mineiro é demorar o dobro entre rótulas e rótulas intermináveis. O mineiro sabe o melhor atalho para a sua residência, entretanto, não guarda jamais onde são os próximos retornos para quem se perde e escapa do roteiro tradicional. O risco é terminar numa BR indo para São Paulo ou para o Rio de Janeiro. 
 
Ele realmente não fala. Não nasceu para ser Waze. Diz tudo o que poderia dizer no início da viagem e se encontra agradecido pelo favor em completo silêncio. 
 
Ele não deseja atrapalhar. Fora do carro, não cala a boca. No carro, é mudo. Mineiro fecha a boca no veículo alheio. Expressa o essencial e se compraz em mirar o infinito dos semáforos a cada quilômetro. 
 
O curioso é que confunde também carona com ônibus. Desloca-se mentalmente do banco de passageiro para dentro de um coletivo. Age como se fosse apertar a campainha e descer numa parada. 
 
De repente, do nada, avisa que pode parar por ali. 
 
- Onde?, pergunto, não localizando nenhum local propício e seguro ao desembarque.
- Aqui, nesta esquina, já está bom!, responde. 
 
Ele indica um ponto para parar, nunca é na frente de onde mora. 
 
Você acha que ele está escondendo algo, que não pretende revelar o seu verdadeiro endereço, que tem vergonha do seu destino, que habita numa boca de fumo ou num buraco, mas é apenas fruto de sua generosidade, disposto a evitar uma volta maior. Busca poupá-lo do transtorno. 
 
O que é um tanto paradoxal: ele não se importa que saia do caminho durante o trajeto, porém, economiza quarteirões na chegada. 
 
Carona para mineiro acaba sendo uma aventura. Não será como imagina. Mesmo que seja perto, em bairro próximo, conte com os imprevistos. Não avise nenhum familiar do horário certinho que voltará - pode criar insegurança em vão. Curta a viagem pelo interior de Belo Horizonte. Se possível, leve uma mala para dormir em hotel.

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