Sempre achei bastante discutíveis os testes que avaliam a inteligência das pessoas. Creio que “inteligência” é uma coisa muito sutil, complexa e variada para ser enquadrada em certos parâmetros. Em 1982 o psicólogo norte-americano James Flynn percebeu que os famosos testes de Q.I. eram revisados apenas a cada 25 anos. Intrigado, deduziu que se um cidadão mediano fizesse o primeiro teste quando de sua criação, certamente acumularia 130 pontos – escore geralmente atribuído a um gênio como Einstein. Porém, se um teste de hoje fosse aplicado num americano daquela época, sua pontuação seria em torno de 70, resultado das pessoas ignorantes segundo o método.
O sistema pode parecer meio confuso para nós leigos, mas o assunto aqui é o alarmante avanço da burrice. Mr. Flynn, falecido ano passado, já percebera que o Q.I. médio da população mundial - que mantinha um aumento firme e forte desde 1945 até em torno do ano 2000 – vinha caindo fragorosa e assustadoramente nos últimos vinte anos. Quem se debruça sobre o fato aponta prováveis causas para a triste constatação. Uma delas, com certeza, é o empobrecimento da linguagem.
Quando lemos, nosso cérebro inicia um trabalho sofisticadíssimo em centésimos de segundos. Em primeiro lugar, o cérebro identifica os estímulos visuais dos sinais gráficos – as letras – decodifica-os e estabelece relações de lógica e conectividade. Na sequência, nosso cérebro “interpreta” (reconstrói o sentido de cada palavra colocada junto à outra); “elabora” (une o sentido de cada período ao anterior) e finalmente “associa” o conteúdo geral ao contexto, baseado em nossa memória, capacidade lógica, informação e cultura geral.
Esse exercício diário dos neurônios é parecido com malhar numa academia; exige tempo e constância para dar resultados. Quanto menos a pessoa lê, mais preguiçosos, barrigudos e sonolentos ficam o tico e o teco. A chamada “cultura digital” é uma das causadoras desse dano crescente, tendo como comparsas os computadores e celulares.
Crianças e adolescentes formam o grupo das maiores vítimas da explosão de ignorância do milênio. Abreviaturas, códigos simplórios, "emojis" são típicos frutos da lerdeza mental. Músicas de dois acordes e letras idiotas também contribuem para a lassidão dos tecidos nobres. É claro: pensamentos mais complexos e sofisticados nascem de requintes, nuances e criatividade na narrativa. Sem eles, seguimos atrelados ao ambiente restrito da estupidez.
Linguistas afirmam que a moda de excluir os tempos verbais - subjuntivo, imperfeito, particípio passado - restringe o pensamento ao presente e impede projeções no tempo. Temos aí a obediente burrice amarrada num poste do pequeno pasto do imediatismo. E também a explicação para o sucesso de alguns “influencers” com milhares de seguidores. Vale lembrar que seguir alguém é aceitá-lo docilmente como dono da verdade – e abster-se de pensar por conta própria, refletir, questionar.
São esses defensores da “novilíngua” os mesmos adeptos da necessidade de simplificar a grafia, eliminar “complicações”; abolir gêneros, tempos verbais, metáforas, eufemismos – enfim, tudo que lhes pareça “difícil”. Com poucas palavras para exprimir uma ideia ou proposta, a comunicação torna-se medíocre, rasteira e fácil de ser vigiada. Sem falar nos modismos ridículos. Querem atirar no lixo, por exemplo, a denominação “senhorita”, forçando a barra na ideia de que entre uma menina e uma mulher não exista uma fase intermediária.
Nos filmes e nos quadrinhos há sempre aqueles vilões que sonham dominar o mundo com suas inteligências voltadas para o mal. Tudo indica que eles se materializaram e devem andar por aí, disfarçados de modernos, práticos e revolucionários, a serviço sabe-se lá de quem.