FERNANDO FABBRINI

No Reino da Fantasia

O preferido da juventude


Publicado em 29 de julho de 2021 | 03:00
 
 
 
normal

Como é bom viver no maravilhoso Reino da Fantasia! Lá tudo é lindo, perfeito, delicioso. Não existe violência, nem desigualdade, nem autoridades, nem obrigações, nem compromissos, nem gente feia, chata, boba e má.
 
No Reino, quando surge algum bandido drogado e apontando a pistola com número raspado, reagimos com empatia e damos logo um abraço no rapaz. Ele, vendo-nos de camisetas brancas, distribuindo flores e cantando “Imagine”, pede perdão e joga fora sua Glock.
 
O Reino da Fantasia é muito mais acolhedor, simpático e aprazível do que o mundo real – seja no coletivo e também no particular. Exemplo: você nasceu de nariz torto e isso lhe incomodava desde criança. Coitadinha: chegou até a sofrer bullying das coleguinhas que lhe chamavam de “bruxa do narigão”. Ah! Chega de sofrimento, menina: convoque outras narigudas pelo Instagram, subam a hashtag #narizestortossim, e a nasofobia vira crime inafiançável com apoio de vereadores, deputados, senadores, OMS e ONGs estrangeiras.  
 
Outra coisa legal do Reino é que lá não existe preconceitos. Nos estádios lotados de gente amorosa, gentil e fraterna, os jogadores se ajoelham e o público, emocionado, bate palmas, trocando abraços. E, por um milagre, num passe de mágica, essa ajoelhada coletiva dos atletas e as palmas ensurdecedoras espantam todo o racismo do mundo para sempre - não só no futebol profissional como também na segunda divisão, nas categorias de base e até nas peladas dos campos de várzea do nosso Brasil.  
 
Mais uma vantagem: lá no Reino, seus desejos são sempre direitos e os direitos das outras pessoas são sempre abusos. Por isso, se lhe der vontade de tacar fogo numa estátua do Borba Gato, não se reprima: vai lá e taca! Isso mudará o universo! Mesmo que você não faça ideia de quem tenha sido o Borba ou que o sujeito fosse, na verdade, um mestiço, um mameluco, coisa muito comum entre os bandeirantes. Vale a palavra de ordem do seu professor: o Gato maltratava os outros por prazer, adorava sacanear os índios, era supremacista, radical, racista e fascista!  
 
E qual o problema do cara ter morrido em 1718 e que o tal fascismo nojento tenha sido iniciado em 1919? Duzentos aninhos de diferença e essa rigidez do calendário gregoriano é apenas repressão capitalista. Velharias que nos incomodam devem ser incendiadas para não atrapalharem a paisagem do Reino. Seu professor até acha “bem feito” terem queimado o Museu Nacional e torce para que ardam também outros museus, igrejas e bibliotecas.  
 
Os ideais do Reino da Fantasia são tão legais que influenciaram até os executivos da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Com uma só frase, eles sumiram com as injustiças sociais, eliminaram preconceitos, resolveram guerras e conflitos étnicos. Em vez de “...and the winner is...” os apresentadores da premiação passaram a dizer “...and the Oscar goes to...”. Uau! O planeta ficou ótimo a partir desse dia. Agora não existem mais “vencedores” nem “perdedores” – seja nas competições esportivas, nos concursos artísticos, na luta diária pela sobrevivência, nas disputas por assentos nos ônibus nas horas de pico ou nas brincadeiras de par-ou-ímpar. Pronto, acabou. 
 
Enfim, no Reino da Fantasia só valem o prazer completo, a beleza, a harmonia, a tolerância, a amizade – tendo ao fundo a orquestra de André Rieu tocando valsas vienenses. O único problema ocorre quando um habitante do Reino escorrega em alguma felicidade largada pelo chão. O tombo se chama “cair na real”. E dói pacas. 

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!