Decidi fechar minhas noites em estado de graça – ao contrário do estado de ódio vigente no chamado “horário nobre”. Escolhi desligar definitivamente a televisão e me refestelar sob a velha e simpática mangueira daqui de casa, no colo de uma legítima peça do artesanato nordestino – uma rede sergipana.
A vista de lá é ótima. No momento acompanho, intrigado, a novela da pitangueira do quintal. Nos capítulos anteriores, ela enfrentava o clima de deserto que se abateu sobre a cidade. As queimadas das redondezas trouxeram os vilões: cinzas e fagulhas. A pitangueira, corajosa, venceu-os no final. Nos emocionantes capítulos seguintes, uma reviravolta no roteiro: ela livrou-se de todas as folhas secas, assim, de uma vez, sem ninguém mandar. Agora, já dá para ver os brotos nos ramos, promessas de pitangas deliciosas. É ou não é o verdadeiro show da vida?
Quisera aprender bem esta lição: tudo passa, tudo acaba, nada permanece. Quando nos sentimos mortos, miseráveis, abatidos, uma força suave sussurra em nossos ouvidos: “Pronto, acabou” – e começa um novo ciclo. Daí a pouco, com paciência, das árvores e de nossas almas brotam novos frutos. E sem ninguém mandar.
Deitado de barriga pro ar, vamos pensando na vida. Não só nela, como também nesses bilhões de estrelas e planetas girando lá em cima, em órbitas perfeitas, há milênios – sem ninguém mandar, controlar ou palpitar. E nós aqui, embasbacados, tentando compreender o que sustenta no vazio os estimados 6.588 sextilhões de toneladas de nossa nave azul, realizando impassíveis rotações e translações; funcionando direitinho sem ninguém mandar. Céus!
Meu pequeno reino vegetal tem visitantes ilustres. Alguns são fiéis nos horários, como os bem-te-vis matinais e os morcegos do anoitecer. Já hospedei saguis desorientadas pela degradação da Serra; agora moram nos postes da rua. Um casal de pequenos gaviões fartou-se com os filhotes das rolinhas, uma pena. Mas, quem sou eu para julgar a eterna e complicada relação entre predador e presa?
E o que dizer da esperteza daquelas células que se unem sob um comando mágico para darem forma a um animal chamado “lagartixa”, subindo ali na parede? Por pouco tais células construiriam outro bicho, anfíbio e rabudo, de nome jacaré. Quem mandou fazer assim ou assado? Ninguém?
Duas mariposas voavam distraídas. Um sabiá em hora extra papou-as num só mergulho. Pronto: viraram energia – assim como o sujeito das cavernas, mamutes e dinossauros, Cleópatra, Newton, rei Arthur, Marilyn Monroe, Gandhi, Ayrton Senna, Tom Jobim, Freddie Mercury, Doris Day. Sem choro, cedo ou tarde, a natureza nos leva embora – ricos, pobres, celebridades, anônimos, proprietários de iates em Portofino ou de botecos em Guarapari. Mistérios, mistérios. É nessa latitude que passeia minha modesta filosofia contemplativa debaixo de um céu estrelado.
Nas TVs da vizinhança, na internet, nos rádios ligados e conversas de bar, milhões se batem, discutem, se agridem defendendo frágeis verdades terrenas, assuntos banais, asneiras políticas; esquerdas e direitas, o desempenho do zagueiro no jogo de ontem, a chatice do chefe no escritório, as fofocas do bairro. Opiniões, às vezes, são completamente dispensáveis. O infinito, as plantas que crescem no silêncio do quintal, o canto da cigarra são os assuntos que agora me interessam.
Troquei a Globo pela rede. “Globo” aí deve ser lida como Record, SBT, Band, GloboNews, BandNews – enfim, qualquer uma das fontes de águas turbulentas que despejam sem cessar a violência requintada, a roubalheira institucionalizada, as novelas deprimentes, as músicas idiotas, os reality shows babacas, o noticiário tendencioso e outras bobagens televisivas.
Uma ressalva final: com relação a estas últimas, acho que tem alguém mandando, sim.