Lucas Gonzalez

Libertas quae sera tamen

Harmonia dos Poderes e construção da sociedade


Publicado em 21 de setembro de 2020 | 03:00
 
 
 
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A Constituição Federal é inaugurada em seu art. 2º com os dizeres que sustentam o desenvolvimento saudável de qualquer República: “São independentes e harmônicos os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário”. A história das civilizações atesta o árduo caminho que a humanidade trilhou até que se chegasse ao modelo tripartite de Poder. Muitas pessoas deram a vida em troca do fim da tirania. A bandeira do nosso Estado resume isso.

Grosso modo, a repartição de competências e a tripartição de Poderes nada mais são que a tentativa de diluir o poder e o controle de uma nação, evitando arbitrariedades e abusos imorais travestidos de legalidade. O princípio do “check and balances”, ou “freios e contrapesos”, existe para manter a “balança do poder” equilibrada. Um não manda mais que o outro. Todos são igualmente importantes para a manutenção da ordem.

No decorrer do texto constitucional são elencadas as atribuições de cada um, bem como as punições em caso de desrespeito a elas. É exatamente como funciona em um jogo. Você segue as regras para chegar ao objetivo. Se, no decorrer do caminho, alguém decide quebrá-las, todos os participantes perdem.

O país vive momentos conturbados. A substituição das regras constitucionais por preferências políticas não pode jamais falar mais alto em uma democracia. Afinal, sua beleza reside na segurança de que todos, absolutamente todos, se submetem às leis. Grandes, pequenos, ricos ou pobres, maiorias ou minorias. Ninguém pode escusar-se das implicações legais.

É nessa estrada que se constrói uma sociedade sadia que não apenas sabe conviver com as diferenças, mas se beneficia delas na medida em que se tem um espaço seguro para o exercício das liberdades de opinião, da manifestação da fé, da troca de ideias e convencimentos. Sim, é a observância da lei e da Constituição que aduba o solo da democracia, fazendo florescer o respeito, a ordem, o bem-estar e a boa convivência.

Neste mês, o ministro Luiz Fux tomou posse como presidente do Supremo Tribunal Federal. Ele assume o desafio de liderar uma Corte que colecionou nos últimos tempos decisões bastante polêmicas do ponto de vista constitucional. E agora, com a devida vênia, terá que lidar com o desafio de resgatar o equilíbrio e a razoabilidade das decisões proferidas nessa Corte.

Um dos casos mais emblemáticos é o Inquérito 4.781, nacionalmente conhecido como o “inquérito das fake news”. Nesse processo, a Corte ocupa todos os espaços que envolvem o processo: ela é a vítima, a denunciante, a investigadora e a julgadora. Não é preciso formação jurídica para perceber que a imparcialidade, princípio norteador de qualquer julgamento, foi totalmente ignorada.

O mais grave de tudo isso é que as consequências desse inquérito não estão limitadas aos que compõem diretamente a lide. Todos que prezamos pela liberdade somos frontalmente atingidos.

Enganam-se os que pensam que tal desequilíbrio está adstrito às mais altas cúpulas de poder. Não. Elas escoam como enxurrada na vida e nas relações de cada um dos 200 milhões de brasileiros. Quando um poder se engrandece, outro necessariamente míngua, e nesse cesto mínguam-se liberdades, mínguam-se diversidades, míngua-se o ideal de igualdade.

Como afirmou Rui Barbosa: “A liberdade não é um luxo dos tempos de bonança; é, sobretudo, o maior elemento de estabilidade das instituições.”

Desejo ao novo presidente sobriedade, coragem e sensatez para conduzir a justiça do nosso país sob a égide da inviolabilidade do direito à liberdade, como preceitua nossa Carta Magna.

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