Marcio Coimbra

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Márcio Coimbra escreve todas as quartas-feira em O TEMPO

TRAGÉDIA

Recado das águas

O desastre que se abateu no Rio Grande do Sul é uma mensagem que já havia sido telegrafada há tempos, porém negada e rejeitada pelas autoridades

Por Marcio Coimbra
Publicado em 08 de maio de 2024 | 06:00
 
 
 
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O desastre que se abateu no Rio Grande do Sul é uma mensagem que já havia sido telegrafada há tempos, porém negada e rejeitada pelas autoridades. Os sinais de que a natureza reagiria com fúria aos erros e excessos em seu entorno estavam desenhados. Esta enchente, de proporções épicas, foi precedida por outras e significa um alerta para as próximas que devem chegar. Negar essa realidade é flertar com a irresponsabilidade, o risco e o perigo de perder vidas e dilacerar os pilares de uma economia sustentável.

Porto Alegre é banhada por um lago, chamado “Guaíba”, que recebe cinco afluentes, chamados de “Gravataí”, “Taquari”, “Caí”, “Jacuí” e “Sinos”. Esse lago se encaminha para a lagoa dos Patos, que deságua no oceano. A enchente em Porto Alegre acontece à medida que o volume de água dos afluentes aumenta, em razão das chuvas, e a capacidade do lago atinge seu limite, transbordando para dentro da cidade.

A falta de estrutura para evitar a crise nos leva inevitavelmente a um ponto de reflexão que vai muito além do Rio Grande do Sul. A ocupação de encostas no Rio de Janeiro, a contaminação do rio Doce por dejetos em Minas Gerais e tantas outras ações, como construção de cidades em planícies de inundação, são ocorrências que acabam por cobrar um alto preço à medida que o descuido e o negacionismo se tornam moeda corrente em nossas políticas públicas.

Os gestores públicos também precisam encarar o resultado de sua irresponsabilidade. A Prefeitura de Porto Alegre não investiu um real sequer em prevenção a enchentes em 2023. Até chegar a zero, o investimento para prevenção a enchentes caiu dois anos seguidos, e o item chamado “melhoria no sistema contra cheias” não recebeu recursos no ano passado. A mesma situação ocorre com o departamento que cuida da área de águas e esgotos, que opera atualmente com a metade dos funcionários que tinha em 2013.

Entretanto, para além dos culpados, enquanto os gaúchos ainda contam suas vítimas e resgatam sobreviventes, essa tragédia deveria servir para unir o nosso país, por meio do diálogo e união, conversando sobre medidas resolutivas, diretas e objetivas para os desafios que ainda virão adiante, longe das diferenças partidárias e ideológicas. Porém, vemos nossos líderes fazendo política com o desastre, adotando discursos baratos e batidos, falando em orçamento de guerra sem qualquer coordenação ou transparência sobre uso e aplicação dos recursos. No país da impunidade, estamos diante da receita ideal para o desvio e a demagogia, uma aliança perfeita para perpetuar o atraso.

A mensagem deixada pela tragédia é objetiva: faz-se necessário discutir os efeitos das mudanças climáticas, em vez de rejeitá-las por simples ranço ideológico, e aqueles que enfrentarão as urnas neste ano estão obrigados a lembrar do brutal recado dado por essa tragédia. Ainda estamos no momento de doação e salvamento. Porém, devemos aprender com as lições deixadas pela força e o volume das águas.

A reconstrução deve levar em consideração aspectos ambientais que impedem novos desastres, como evitar construir em encostas e planícies de inundação e manter intacta a mata ciliar, e os rios, limpos. A enchente de 2024 deixa um brutal recado. Rejeitá-lo é flertar com o caos e se tornar corresponsável por possíveis tragédias futuras. Já passou do tempo de o Brasil parar de brigar com o meio ambiente, entendendo que esta parceria é o mais importante ativo de nosso país.

 

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