As críticas foram intensas. Bolsonaro resolveu enfrentar sua base e entendeu que precisa da militância para se eleger, mas não para governar. Depois de entrar em colisão com o sistema nos primeiros meses de governo, o presidente resolveu mudar. Se o governo estivesse dividido em atos, estaríamos vivendo o segundo, aquele em que Bolsonaro se afasta das bandeiras de campanha para abraçar a governabilidade.
Este novo caminho levou o governo para os braços do centrão, uma aliança conveniente e pragmática que gera estabilidade política. O primeiro grande movimento deste casamento foi a indicação de Kassio Marques para o Supremo Tribunal Federal (STF). Uma cadeira que ocupará por praticamente três décadas. A revolta nas hostes bolsonaristas foi aguda, reduzindo ainda mais o apoio presidencial em nichos muito claros. Se Bolsonaro já havia perdido apoio na base lavajatista e havia decepcionado os liberais, desta vez os conservadores e antipetistas foram alvo da fúria expressada nas redes sociais.
Isso é explicado porque Kassio Marques não é liberal, tampouco conservador, ainda menos antipetista e chega com a missão de enterrar o que sobrou da Lava Jato. Bolsonaro conseguiu desagradar todos os nichos importantes do eleitorado que foram fundamentais para sua chegada ao Planalto. Kassio foi indicado por Dilma, transita nos círculos petistas e possui um histórico de posições que desagradaria muito o candidato Jair Bolsonaro em 2018. Uma escolha que se difere muito daquela realizada por Trump apenas uma semana antes, quando indicou Amy Coney Barret para ocupar a vaga aberta pelo falecimento de Ruth Ginsburg na Suprema Corte dos Estados Unidos.
Trump agiu como um verdadeiro conservador, uma pessoa alinhada aos princípios e fundamentos do Partido Republicano. Ao escolher um nome com sólida formação acadêmica, histórico irretocável na defesa dos valores conservadores em suas decisões e uma experiência comprovada de duas décadas como assistente de Antonin Scalia, baluarte deste grupo no meio jurídico, Trump mostrou honradez, firmeza e compromisso com aqueles que depositaram o voto em sua chapa em 2016.
Bolsonaro chegou ao poder com um discurso da renovação, meritocracia, valores conservadores, ímpeto reformista, impulsionado pelo antipetismo. A revolta de sua base faz sentido, embalada em um profundo sentimento de estelionato eleitoral. Caberá ao presidente decidir se deseja resgatar sua base ou se buscará se reposicionar como representante dos tradicionais bolsões de apoio petistas que elegeram seus adversários por mais de três vezes.
Na política norte-americana, compromisso é algo fundamental. Um erro na indicação de um nome para a Suprema Corte tem a força de acabar com uma Presidência. Sob denúncias de fraudes em seus trabalhos acadêmicos, a indicação de Bolsonaro ao Supremo passou no Senado como uma locomotiva. Em Washington, Amy Coney Barret passou por uma sabatina dura, e deve ser aprovada pelo plenário. Processos de confirmação que na sua essência deveriam ser semelhantes, mas que na realidade mostram aquilo que faz com que sejamos, infelizmente, também tão diferentes dos americanos.