PAULO PAIVA

No seu devido lugar

A reforma administrativa terá enorme valor, além de seu impacto fiscal no médio e longo prazos, se resultar em um novo paradigma de gestão de pessoas


Publicado em 27 de novembro de 2020 | 03:00
 
 
 
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Quando se vê a despesa com pessoal como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) – 13,6% – muito superior às dos países industrializados, como Inglaterra (8,9%), Estados Unidos (9,5%) e Canadá (12,4%), e dos países latino-americanos, como México (8,4%) e Colômbia (7,3%), e continuando a crescer, ampliam-se as expectativas sobre os impactos imediatos da reforma administrativa na redução dos gastos públicos. Entretanto, não se deve criar expectativas sobre seu resultado imediato no ajuste fiscal.

Mesmo com participação relativa dos servidores municipais no total do funcionalismo público chegando a 60%, principalmente em razão da multiplicação de municípios, que passou de 4.182 (1987) para 5.570 (atualmente), o número de servidores, incluindo as três esferas de governo, não é extraordinariamente alto, em comparação com o de outros países. Considerando-se outras federações, como Estados Unidos, Canadá e Austrália, o número de servidores em relação ao PIB no Brasil é menor. O tamanho não é o problema.

A remuneração, sim, é a questão, pois apresenta crescimento expressivo, mesmo sem considerar o explosivo aumento com as despesas com aposentadorias e pensões. Entre 1986 e 2017, a remuneração média mensal dos servidores da União acumulou ganho de 84%, enquanto a dos estaduais, 39%, e a dos municipais, 41%. Entre os Poderes, a remuneração média mensal é maior no Ministério Público e no Judiciário e menor no Executivo.

A remuneração no setor público supera a do setor privado em 84%, hiato superior entre todos os países. Do lado dos servidores públicos, a ampliação do prêmio salarial resulta de aumentos em consequência dos critérios de reajustes automáticos, indexações, reorganização e proliferação de carreiras e da autonomia de gestão orçamentária dos Poderes, sem correspondentes ganhos de produtividade ou aumentos da receita pública; do lado dos servidores do setor privado, resulta da contenção de seus salários, em decorrência da estagnação da produtividade e dos efeitos da crise econômica.

Medidas que poderiam afetar de imediato os gastos públicos com pessoal já estão previstas na Lei Complementar 103/2020, que vedou até o final de 2021 à União e aos Estados e municípios que concedam aumento, reajuste ou adequação de remuneração e que criem cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa, na PEC 198/2019 (reforma emergencial) e no projeto de lei que proíbe os supersalários. Basta cumprir o que já está em vigor e aprovar o que falta ser aprovado.

A reforma administrativa terá enorme valor, além de seu impacto fiscal no médio e longo prazos, se resultar em um novo paradigma de gestão de pessoas, que contribua efetivamente para melhorar a produtividade e a eficácia do Estado e para reduzir as desigualdades do país. É com essa visão que ela deve ser discutida. Não se deve esperar dela aquilo que ela não poderá entregar.

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