Vittorio Medioli

Vittorio Medioli

Empresário e político de origem italiana e naturalizado brasileiro, Vittorio Medioli está em seu segundo mandato como Prefeito de Betim. É presidente do Grupo SADA, conglomerado que possui mais de 30 empresas que atuam em diversos segmentos da economia, como logística, indústria, comércio, geração de energia e biocombustíveis, além de silvicultura, esporte e terceiro setor. É graduado em Direito e Filosofia pela Universidade de Milão. Em sua coluna aborda temas diversos como economia, política, meio ambiente, filosofia e assuntos gerais.

O TEMPO

Rodoanel

A ingenuidade de uns e o ardil de raposa de outros fizeram com que um cavalo de Ulisses entrasse na Seinfra e a cúpula do governo 'ingenuamente' não percebesse

Por Vittorio Medioli
Publicado em 21 de novembro de 2021 | 03:00
 
 
 
normal

Embora alardeasse princípios democráticos, participativos, sociais, ecológicos e transparentes, o projeto do Rodoanel da RMBH apresentado pelo Estado de Minas Gerais, através da Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade Urbana (Seinfra), está mostrando exatamente o contrário. Um caso que já se mostra suspeito, com distorções, aparentemente direcionado. Até fraudes se incorporam nas análises produzidas por empresa contratada e paga – não pelo Estado, mas exatamente pelo MBC (Movimento Brasil Competitivo), segundo informado pelo governo de Minas. 

O projeto é algo formulado, estruturado e montado pela empresa Systra, contratada pelo MBC, com a nobre intenção de ser bom negócio para todos – contudo, à frente da coordenação e com preocupação de deixá-lo, aliás, excelente negócio para o interessado, em detrimento do interesse mais difuso. Chega a ser acintoso, para quem tem um olho e pode ver os princípios balizadores e a conceituação da proposta, que o Estado fingiu discutir, enquanto tentava impô-la à população, que receberia uma conta de pedágios e de renúncias de alguns bilhões de recursos que poderiam ser investidos para minorar suas necessidade gritantes. 

Em 21 de setembro de 2020, Fernando Marcato, secretário de Infraestrutura e Mobilidade do Estado, declarou ao jornal “Valor”: “O empreendimento, de 94 km e R$ 8 bilhões de investimentos, será construído do zero. Trata-se, portanto, de um projeto desafiador, porém viável. No caso do Rodoanel, será necessária uma Parceria Público-Privada (PPP), que depende do aporte de recursos do poder público para se viabilizar”. 

Esses recursos poderão vir do acordo de indenização da Vale, firmado com o Estado de Minas Gerais pelos danos provocados no rompimento da barragem de rejeitos de minério em Brumadinho. O governo ainda está em conversas com a empresa sobre a destinação e os valores, explica o secretário. 

Destaca-se que Marcato, já um ano atrás, tinha o traçado e um Orçamento de R$ 8 bilhões, que, numa afirmação delirante, segundo ele, necessitará de uma PPP, que depende de aporte de recursos públicos para se viabilizar. Isso antes mesmo de apresentar um projeto definido e avaliado. Mas traça o melhor negócio do mundo, com uma parceria em que o dinheiro vem do setor público, e o pedágio vai para a concessionaria. Em contrapartida, o projeto apresentado pelos municípios resultaria em R$ 2,98 bilhões, com desapropriações e três pistas de rolagem – e não as duas que “competentemente” o Estado oferece.

Os recursos que aparecem e se deduzem. Os interesses de grupos recentemente apresentados pela operação Lava Jato como responsáveis pelo maior caso de corrupção estruturada de todos os tempos no nível mundial. Com essas premissas, todo cuidado é pouco. E quanto cuidado foi despendido? Seja para que legalmente, e ainda moralmente, o processo caminhasse para ser exemplo de lisura e coerência. 

Desde o primeiro momento, a Seinfra escondeu a origem e os autores do projeto, como se dissesse: “é um projeto que encontramos aí”. Quem plantou o “projeto aí”? Eis a questão. Quais as premissas, os conceitos, as finalidades? Isto é muito importante porque, se você contrata uma raposa para erguer uma granja, ela olhará todas as formas de a deixar vulnerável aos seus ataques.  

Não faltam recursos para um bom projeto, já que a Vale castigou dezenas de municípios, Brumadinho em especial, e assumiu pagar R$ 37,6 bi, que corrigidos desde o dia da assinatura já devem se aproximar a R$ 39 bilhões. Ou seja, depois que Ulisses presenteou Troia com um cavalo cheio de gregos que a destruíram, como raposa em galinheiro, receber um presente de grego é inadmissível, injustificado e até imoral. Pois é, a ingenuidade de uns e o ardil de raposa de outros fizeram com que um cavalo de Ulisses entrasse na Seinfra e a cúpula do governo “ingenuamente” não percebesse. 

O “Ulisses” que introduziu o cavalo no Estado, cumprida a tarefa e deixando os gregos escondidos na barriga do belo cavalo, passou a presidir o exército e foi apresentado com um discurso em muitos aspectos irreais e enfadonhos. As afirmações não se encaixavam na lógica, levantando suspeitas, como despreparo das equipes à frente dessa tarefa, apesar de uma aparente fidelidade. E boa-fé é a primeira das alternativas a ser considerada num governo que até o momento se julgava eminentemente “novo” e sem experiências, mas com boa vontade de dar resultado. 

Sempre muito queixoso da situação de bancarrota herdada, conseguiu suspender pagamentos de dívidas, não repassar aos municípios as parcelas constitucionais e deixar de aplicar as cotas de educação e saúde, especialmente em prejuízo de repasses aos municípios. 

O que acontecia antes o governo atual continuou fazendo: reter o que era necessário, imprescindível. Isto é: constitucionalmente inadmissível, pois é o único Estado da Federação que oficialmente e desabridamente reteve repasse constitucionais. Parece coisa pouca, mas não há precedente na República de apropriação de cotas garantidas aos entes municipais. Não se sobrevive apropriando-se dos recursos dos outros. 

Num clima de ilegalidade e de inconstitucionalidade sem precedentes, que pode ensejar intervenção no Estado, destituição do governo e nomeação de interventor, o resto que acontece é coisa “justificada”. Se acima se rasga e se defende o rasgo da lei, o que se pode pretender abaixo? É apenas o ladrão de galinhas que vai pra cadeia? Isso mesmo. Passa a ser normal, então, tolerar a mentira, o jeitinho para o bem do Estado, o prejuízo dos municípios e dos servidores, com folhas constantemente em atraso, e o nítido descompromisso com a verdade?  

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!