Depois do pavor pela ameaça de morte, aparece o pavor do desemprego e da fome.
Como combater a epidemia de coronavírus e, ao mesmo tempo, manter a economia em funcionamento e preservar empregos, oportunidades e renda?
Como manter em atividade o complexo ciclo da produção em sua capilaridade?
Como evitar outra brutal recessão depois de seis anos de quedas profundas e de estagnação?
Como enfrentar desafios terríveis num país marcado por 50 milhões de pessoas, 25% da população, com renda insuficiente para garantir uma vida digna?
Como se preparar para administrar milhões de demitidos em massa e outros com suas atividades autônomas inviabilizadas?
A sociedade moderna parada se desestrutura. Apresenta-se o desafio de escolher a perda de parentes e amigos pela doença do coronavírus (Covid-19) ou pela miserabilidade. Como manter a produção de alimentos, e tudo que é necessário para essa atividade, para abastecer a população do Brasil e de cinco continentes que daqui dependem?
A equipe de cientistas do Imperial College London, da Inglaterra, liderada pelo professor Neil Ferguson, apresentou três cenários diferentes para o Brasil: um, com isolamento severo e “apenas” 44 mil mortos, ou 0,02% da população; outro, com isolamento brando e 529 mil mortos, ou 0,24%; e, na terceira hipótese, de não haver cuidados, 1,15 milhão de mortes, sendo 0,5% decorrente da pandemia.
Para o planeta, o cenário sem cuidados dá 40 milhões de perdas humanas entre os 7 bilhões de habitantes de hoje – quer dizer, a metade do total de mortos durante os cinco anos da Segunda Guerra Mundial.
Ferguson alerta: “Estratégias de mitigação focadas na blindagem de idosos (redução de 60% nos contatos sociais) e desaceleração, mas não interrupção da transmissão (redução de 40% nos contatos sociais), poderiam reduzir as perdas pela metade, salvando 20 milhões de vidas. Porém, prevemos que, mesmo nesse cenário, os sistemas de saúde em todos os países serão rapidamente sobrecarregados”. A advertência, portanto, exclui, dessa forma, a possibilidade de salvar muitos contaminados pela Covid-19.
O professor subscreve um alerta: “É provável que esse efeito seja mais grave em contextos de baixa renda, onde a capacidade (de alcançar o atendimento) é menor. Como resultado, prevemos que o verdadeiro impacto em ambientes mais pobres, que buscam estratégias de mitigação, pode ser substancialmente mais alto do que o calculado nas estimativas iniciais”.
Para evitar a sobrecarga do sistema de saúde, os cientistas ingleses consideram que a rápida adoção de medidas de saúde pública para suprimir a transmissão pode garantir que a estrutura fique em níveis manejáveis, como na China e na Coreia do Sul. Fundamental seria adotar os testes em massa, o isolamento de pessoas contagiadas e o distanciamento social.
Disso conclui a equipe inglesa: “Se for implementada uma estratégia de supressão precoce e sustentada do vírus, teremos 0,2 morte por 100 mil habitantes por semana, então 38,7 milhões de vidas podem ser poupadas no mundo. Se for iniciada quando o número de óbitos for maior – 1,6 óbito por 100 mil habitantes por semana –, então só 30,7 milhões de vidas poderiam ser salvas”. Resta claro que atrasos na adoção de estratégias para suprimir a transmissão levará a maiores perdas de vidas.
O estudo admite que não consegue calcular “os impactos sociais e econômicos mais amplos da supressão (das atividades econômicas) e reconhece que eles serão altos e podem ser desproporcionais em ambientes de baixa renda”. Reforça, também, que “as estratégias de supressão teriam de ser mantidas, com breves interrupções, até que vacinas ou tratamentos eficazes se tornassem disponíveis”. A análise destaca que “decisões desafiadoras serão enfrentadas por todos os governos nas próximas semanas, mas (esse confronto) demonstra como uma ação rápida, decisiva e coletiva pode salvar milhões de vidas”.
Bolsonaro, por sua vez, tomou a frente para defender um modelo de isolamento chamado “vertical”, que permite a reabertura de escolas, universidades e negócios ao prever que apenas idosos e pessoas com doenças crônicas se isolem. Enquanto isso, entidades empresariais já lançaram manifestos pedindo a volta à normalidade. Nesse cenário crítico com atividades econômicas agonizando, os empresários clamam para que governadores e prefeitos levantem a quarentena. No meio saturado de incerteza, o debate, infelizmente, se politizou e perdeu a clareza que ajudaria a encontrar soluções para a saúde pública sem quebrar o equilíbrio social.
As atividades essenciais, obviamente, precisam ser mantidas. Porém, verdadeiros abutres em momento de calamidade abusam com aumentos extorsivos de preços, sem qualquer cuidado para atenuar os estragos que geram. Alguns insurgem-se contra medidas de prevenção como máscaras, álcool, luvas, medição de temperatura e testes que possam isolar os portadores do vírus. Estarrecedor ainda como pessoas abastadas, mas pobres de sensibilidade, ficam na contramão da solidariedade humana e se aproveitam do momento para explorar a população. Serão, provavelmente, os primeiros a terem suas lojas arrombadas.
Não serão eles os heróis e nem os vencedores num mundo que começa a experimentar ar mais puro, águas mais limpas e menos rumores e a se purgar. As forças da natureza deixaram os animais de fora da pandemia, que ataca apenas a raça humana, impondo o sofrimento como lição. A “praga bíblica” chegou para convencer os homens a mudar.