Quem acompanha o noticiário político vive preocupado. O país assemelha-se a um barco desgovernado com sua proa em direção à tempestade empurrada por forte vento que agita as ondas do oceano. Brasília, onde está instalada a cabine de comando do barco, é um palco de uma ópera bufa. Seus atores, com trajes barrocos e linguagem chula, atacam uns aos outros, sem objetivo, a não ser o de tentar desconstruir o outro. O leme do barco parece abandonado.
As últimas cenas mostram um conflito sem fim entre o Executivo e o Legislativo. O presidente despreza o diálogo com os políticos, e o líder do governo na Câmara acusa seus pares. Conflito onde deveria haver diálogo; dissenso onde deveria haver consenso. Não há mais espaço para a racionalidade? Ou há outra maneira de expressão brotando do caos da intransigência e das formas agressivas da comunicação dominadas pelas redes sociais?
Pois é. Há de se entender os novos tempos. O governo Bolsonaro inaugurou novo jeito de governar, mantendo acesas a agressividade da campanha, a agenda da desconstrução e a guerrilha contra fantasmas; e entregando para o ministro Paulo Guedes o comando da agenda propositiva, que é, por enquanto, legislativa. É o surrealismo aplicado à política em um país tropical com o sangue fervendo nas veias, onde o inconsciente e o automatismo tomam o lugar da racionalidade.
A PEC da Previdência surgiu como a tábua de salvação da economia e, por consequência, do governo. Na lógica do passado, se imaginaria que o governo buscaria o consenso para aprová-la sem percalços, não abrindo flancos inúteis que atrapalhariam o seu objetivo. Qual o quê? O governo não procurou organizar coalizão partidária para seu projeto de reforma constitucional, que necessita de, no mínimo, 308 votos. Parece crer na pressão das ruas.
No entanto, a Câmara de Deputados, comandada por Rodrigo Maia, opta por dar governabilidade ao país, apesar dos desacertos nas relações políticas com o governo. A medida provisória que alterou a estrutura administrativa do Executivo foi aprovada na Câmara; a PEC da Previdência, que já havia sido admitida na CCJ, com votos contrários apenas da oposição esquerdista, deverá ser aprovada no plenário, nos termos consensuais, sem a oposição, que são a manutenção da aposentadoria rural e do BPC e o adiamento da capitalização, cujo projeto ainda não foi enviado pelo Executivo. Ademais, inovou aprovando na CCJ a admissibilidade da PEC que trata da reforma tributária, tema difícil e que está emperrado há décadas. Duas propostas complexas de reformas constitucionais caminham bem na Câmara dos Deputados. Não é pouca coisa.
Há uma dicotomia entre os desacertos nos embates verbais na política e a eficácia da atuação da Câmara dos Deputados.
Paulo Guedes e Rodrigo Maia comandam com sucesso a pauta econômica, “e la nave va”, já no domingo navegando pelas ruas das cidades.