Há no Brasil, atualmente, um grande número de pessoas muito insatisfeitas com o estado geral da nação. Não se trata apenas de uma insatisfação latente e difusa, que está presente usualmente na existência de cada um de nós. É, na verdade, uma insatisfação que deriva objetivamente das condições materiais de vida do nosso dia a dia e que impacta o atendimento das nossas necessidades básicas e aspirações. Aquela insatisfação que, quando amanhece o dia, desperta com as pessoas e as acompanha ao longo de todo o dia.
Há insatisfação com a qualidade dos serviços públicos, principalmente nas áreas de saúde, transporte coletivo e segurança. Há insatisfação com as incertezas sobre o futuro da economia e do orçamento familiar, assim como em relação à evolução do campo de oportunidades para os jovens. Mas a insatisfação maior se concentra nos mercados de trabalho, onde as pessoas realizam os seus projetos profissionais e ganham os seus rendimentos para a provisão de uma vida humana civilizada.
Segundo o IBGE, em dezembro de 2018, havia 27 milhões de trabalhadores subutilizados. Essa subutilização se manifesta através de três dimensões: 12,2 milhões estavam desempregados abertamente à procura de emprego, 6,9 milhões estavam subocupados (trabalhando menos de 40 horas semanais, mas gostariam de trabalhar mais) e 7,9 milhões poderiam trabalhar, mas não trabalhavam por diferentes motivos, entre os quais estão 4,7 milhões estavam desalentados (desistiram de procurar emprego).
Os números do IBGE mostram, ainda, que a renda dos brasileiros segue estagnada e que o desemprego é maior entre nordestinos, mulheres e negros. Além do mais, muitos dos desempregados e dos subempregados estão entre os 60 milhões de brasileiros atolados em dívidas pessoais a taxas bancárias extorsivas. Uma realidade social que não pode ser camuflada. E não há uma perspectiva favorável no curto prazo para a geração de emprego e renda na economia brasileira.
Se a intensidade da insatisfação é tão grande e espraiada entre diferentes grupos sociais brasileiros, indaga-se: até quando continuará presente, sem que haja pontos de ruptura no tecido social e político? William Nordhaus, Prêmio Nobel de Economia em 2018, afirma que, quando um sistema experimenta uma profunda descontinuidade no seu comportamento, pode ocorrer um ponto de inflexão ou de ruptura (tipping point) e que o tempo exato e a magnitude de tal evento são quase sempre impossíveis de predizer; podem ocorrer rapidamente e inesperadamente ou até mesmo não ocorrer.
Se, eventualmente, vier a ocorrer algum ponto de manifesta ruptura no atual contexto de homeostase política, através de mobilizações de protestos da sociedade civil ao longo dos próximos meses, é provável que elas não venham dos 25 milhões de brasileiros que sobrevivem, ainda que a duras penas, das políticas compensatórias, nem da minoria de rentistas que se enriquece à sombra do capitalismo financeiro. É provável que venha dos 25% dos jovens desempregados, que assistem à interrupção de suas esperanças e oportunidades, pois, como dizia Max Weber, neutro é quem já decidiu pelo mais forte.
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- Paulo R. Haddad
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Pontos de ruptura
Há insatisfação com a qualidade dos serviços públicos, principalmente nas áreas de saúde, transporte coletivo e segurança
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