Renato Quintino é professor e consultor de gastronomia, vinhos e harmonização, guia de turismo gourmet e enólogo e escreve o blog www. renatoquintino.com.br
“Prove o quindim de Iaiá, quem quer meu quindim comprar?”, cantava Aurora Miranda – irmã da famosíssima Carmen – no filme “Você Já Foi à Bahia?” da Disney. Embora fosse uma Bahia de estúdio, o filme, que alternava pessoas reais com as de desenho animado, revolucionário para a época, apresentou o personagem Zé Carioca e fez com que o norte-americano Pato Donald se apaixonasse pelo quindim, pela Bahia e pela baiana.
Frases como essa do filme, que exploram a magia da Bahia e da baiana, são comuns nas músicas brasileiras, como o “No Tabuleiro da Baiana”, de Ary Barroso, ou “Você já foi à Bahia, nega? Não? Então, vá!...”, da estrofe da canção de Dorival Caymmi, além de “O Que é Que a Baiana Tem?”, cantada por Carmen Miranda.
Embora a Bahia seja um Estado vizinho de Minas Gerais, “é um outro planeta”. Por mais que os mineiros tenham uma tendência em criar uma pequena Minas em Ajuda – como foi feito no passado em Cabo Frio, levando hábitos locais –, para quem está aberto e atento, a Bahia tem um quê de viagem internacional por causa de sua cultura própria, seu clima, seu povo, seu sincretismo religioso e sua gastronomia.
Alemães
O espanto da seleção alemã – fotografada atravessando a balsa para Santo André – é o mesmo de muitos brasileiros do Sudeste ou do Sul quando chegam por lá: a brisa morna, a rusticidade, a simpatia do baiano, tudo convida ao relaxamento e à famosa indolência.
Embora haja alguns exageros, como o de Elza Soares – a ex-mulher de Garrincha, não a cantora –, que comentou que os alemães ganharam a Copa por terem “levado uns passes lá na Bahia”, a integração do time alemão como equipe e com a comunidade de Santo André pode ter influenciado, sim, seu desempenho no Mundial.
Se hoje a negra africana vestida de branco é um clichê de resort, no passado, foi a responsável pela criação da instituição da comida baiana, reinterpretando ingredientes e técnicas portuguesas – o azeite de oliva, os ovos, a conservação de carnes pelo sal (como no bacalhau), as ervas frescas, a linguiça e a doçaria – e as indígenas – milho, maxixe, batata doce, mandioca e frutas nativas – por meio de um contexto africano, acrescentando, dentre outros aspectos, a trinca dendê-malagueta-quiabo.
Santo André tem um festival gastronômico em agosto, com oportunidade de degustação de clássicos da região. Em setembro, é a vez do caruru de Cosme e Damião e, em todo o ano, estão lá moquecas diversas, como a tradicional de siri mole. O restaurante Vila Araticum é uma referência local, assim como a barraca da simpática Maria Nilza, com seus pastéis de siri e aratu e o bobó de camarão, o risoto de siri e caranguejo e o famoso arroz de polvo.
A partir de Porto Seguro e na direção oposta ao trio Ajuda-Trancoso-Caraíva, Santo André é uma das estrelas do turismo no Sul da Bahia. E estão lá clássicos da doçaria baiana de tabuleiro – método de venda inventado no Estado – como o célebre quindim de Iaiá para quem quiser comprar.