Artes Cênicas

Ego_Monstro 

Minimalista: No cenário de fundo branco, uma cadeira, uma mesa e um triciclo, mas em Diaz habitam 13 personagens

Por Bárbara França
Publicado em 28 de março de 2015 | 03:00
 
 
 
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Em um ambiente escuro, soturno até, está um homem sozinho. Ele conta, com a minúcia de quem sente prazer no ato, a forma como matou e esquartejou, pedacinho por pedacinho, seu próprio pai. As imagens projetadas na tela branca ao fundo contribuem para configurar uma situação ainda mais horripilante, enquanto os efeitos de microfonia elevam à outra dimensão o potencial que tal relato tem de causar arrepios e estupefação. 
 
Com essa prévia, não soa estranho que a peça, que será encenada por Enrique Diaz na próxima quarta-feira (1º), no Cine Theatro Brasil, tenha sido batizada de “Cine_Monstro”. A montagem marca a terceira incursão do ator pela obra do autor canadense Daniel MacIvor e por aquela que vaga pelo mais obscuro e – por que, não? – podre da existência humana. “Monster”, no título original em inglês, não apresenta nem julga pessoas na posição de monstros (como aqueles que esquartejam os pais), mas fala do monstro que existe em todos nós: o ego. 
 
“É bem complexa a maneira como MacIvor trata isso e muito interessante. Ele joga com as nossas faltas, com os nossos buracos e com a necessidade de preenchê-los, individual ou socialmente. E ele faz isso de uma forma muito elaborada. O ego é uma instância à qual temos que estar atentos, em vários âmbitos na nossa vida”, comenta o ator, que também é diretor.
 
Diaz inclusive já dirigiu outras duas peças do mesmo autor, “In on It”, que encenou ao lado do ator Emílio de Mello, e “À Primeira Vista”, com Drica Moraes e Mariana Lima, sendo considerado o maior montador de MacIvor no país. 
 
“Minha relação com o trabalho do canadense existe há muito tempo. Eu cheguei no 'Monster' por causa da sequência dos textos dele. Eles estavam me dando muita coisa boa, no sentido de aprendizado, da relação com o público. E, por outro lado, depois de dirigir as outras pessoas, eu estava querendo me voltar ao exercício de ator”, justifica o ator e diretor.
 
Em 26 anos de carreira teatral, o espetáculo é o primeiro monólogo de Diaz, o que, segundo ele, não representou um verdadeiro desafio. Ele já estava tão imerso no universo “macivoriano” que tudo saiu de uma forma prazerosa e natural, sem excluir, claro, muita pesquisa e estudo. Afinal, o ator dá vida a 13 personagens diferentes, cujas trajetórias se entrelaçam e são constantemente retomadas nos diálogos empreendidos ora por uns, ora por outros.
 
Assim é “Cine_Monstro”, um emaranhado de camadas de vidas e situações que, no fim das contas, fala da multiplicidade existente em cada um. “Dos muitos aspectos me prenderam a ‘Monster’ especificamente, um é a qualidade do texto, que tem muito humor, mas que, ao mesmo tempo, fala do âmbito dos afetos, uma coisa que constitui o humano”, diz. 
 
Para ele, o que mais fascina em “Cine_Monstro” em relação às outras duas montagens da trilogia que realizou se refere à questão dos afetos. Enquanto “In on It” e “À Primeira Vista” lidam com afetos problemáticos, mas que no fim são redimidos e servem para que os seres humanos sejam melhores, “Cine_Monstro” fala dos afetos que fracassaram. 
 
Cinema
 
O olhar da peça está voltado para o mal que todo mundo carrega em si. Para isso, nada melhor que recorrer a um dispositivo que tem representado as mais diversas manifestações do mal através dos tempos como o cinema. A mudança, aliás, do nome original “Monster” para “Cine_Monstro” se deu como uma vontade do ator de enfatizar o lugar da Sétima Arte no espetáculo.
 
Se o caráter cinematográfico já estava presente na montagem de Daniel MacIvor através de referências e citações, aqui ela ganha projeções, sons, e até um triciclo infantil no palco. Qualquer semelhança com o filme “O Iluminado”, do diretor Stanley Kubrick, talvez não seja mera coincidência, embora suas influências declaradas sejam o cinema “estranho” de David Lynch e o “cine-jorra-sangue” cheio de humor de Quentin Tarantino.
 
“‘Cine_Monstro’ tem cinema o tempo todo e o que busquei foi o cinema de terror, de violência, porque ele se relaciona com esse imaginário coletivo do escuro, desses instintos escuros e perigosos que o ser humano tem”, explica ele, que, na pele do empresário Cláudio, par romântico da prostituta de luxo “Danny Bond” (Paolla Oliveira), deu o que falar na minissérie global “Felizes Para Sempre?”.
 
Antes da atuação explosiva, o ator, rosto bastante familiar no teatro e no cinema, era pouco conhecido pelos espectadores da TV. Embora já tivesse relação com a teledramaturgia. Enrique Diaz foi um dos diretores da novela “Joia Rara”, que foi ao ar no final de 2013 e início de 2014. Essas relações, no entanto, podem ser ainda mais estreitadas. Existe um projeto para transformar a trilogia de Daniel McIvor em minissérie.
 
Agora, para os tablados, Diaz planeja montar “The Best Brothers”, também do autor canadense. A ideia é que seja encenada pelos atores e irmãos Danton e Selton Mello. Isso se, além dos papéis e direções, a faculdade de letras também deixar. “Seria sensacional. Estamos em busca de patrocínio e aprovação. Vamos encaminhando. Mas eu sou muito enrolado”, brinca.
 
Cine_Monstro
Cine Theatro Brasil (praça Sete, centro, 3201-5211). Quarta-feira (1º de abril) às 21h. R$ 40 (inteira)

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