Em meio às comemorações dos dez anos da companhia Luna Lunera, em 2011, seus integrantes começaram a trabalhar um novo espetáculo. Sintomaticamente, durante as conversas iniciais, surgiram balanços do percurso até ali e um “apesar de” foi recorrente. Um tipo de maturidade em perceber que mesmo com as dificuldades da vida e da carreira, era possível encontrar a alegria.
Aquilo ecoou na cabeça da atriz Isabela Paes e a fez lembrar de um livro que havia lido pela primeira vez há cerca de dez anos e desde então voltou algumas vezes à sua cabeceira: “Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres”, de Clarice Lispector (1920- 1977), que falava exatamente disso. No texto, a professora primária Lóri aprendia com Ulisses a aceitar o amor e viver apesar de. “Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive, muitas vezes, é o próprio ‘apesar de’ que nos empurra para frente”, ele dizia. E foi nessa reflexão que surgiu o embrião de “Prazer”, espetáculo que marca a abertura do teatro do CCBB BH, em temporada da próxima sexta (11) até 22 de dezembro.
Depois de apresentado ao restante do grupo, o livro foi incorporado ao processo de criação, não com a intenção de ser adaptado, mas como suscitador de questões. “No fim das contas, ficamos livres para percorrer a obra de Clarice, que muita gente vê como angustiada, pesada, depressiva. Mas todos os trechos que levávamos para as reuniões eram de esperança. De um espírito realista, prático, de conseguir enxergar a dureza da vida, mas indo além, sem que isso fosse um bloqueio, uma forma de se tornar pessimista”, diz Isabela.
Chegou-se, afinal, à história de quatro amigos de longa data – um médico que foi trabalhar fora do Brasil, sua esposa, que suspende a carreira de artista plástica para acompanhá-lo, um comissário de bordo que reside no mesmo prédio que eles, mas está sempre viajando, e um executivo bem-sucedido que resolve tirar um ano sabático e vai ao encontro dos outros três – lidando com seus “apesares”.
A atriz esclarece que, no processo de concepção do espetáculo, foi retomado um método que vem acompanhando a companhia há muito tempo – e evoluindo com o passar dos anos: a criação compartilhada. “Desde 2003, quando participamos de um projeto do Galpão, investimos nessa vertente mais horizontalizada, numa tentativa de quebrar a hierarquia do texto, do diretor, de forma que o ator possa ser fonte de material de criação”, afirma.
Parcerias
Em “Prazer”, além de os atores terem sido codiretores e do uso do “Observatório de Criação” – nome dado ao momento em que o grupo abria as portas de sua sede para apresentar ao público e ouvir suas opiniões a respeito do espetáculo em desenvolvimento –, práticas que vêm de espetáculos anteriores, houve contribuições de outros parceiros.
Jô Bilac participou da criação da dramaturgia, o videoatista Éder Santos colaborou na criação de projeções que integram o cenário, Roberta Carreri, atriz do Odin Teatret, conduziu um treinamento intensivo para potencializar a presença cênica dos atores e, por fim, o bailarino e coreógrafo Mário Nascimento trouxe um treinamento corporal sobre a interface entre teatro e dança do grupo. A coroação dessa forma de criar vem com duas indicações ao 26º Prêmio Shell de Teatro, nas categorias cenário e autor. “Termos sido indicados já é um prêmio”, declara Isabela.
Depois de já ter passado por outras três capitais, ela diz que, desde que conseguiram patrocínio do Banco do Brasil, esperavam poder estrear abrindo o CCBB daqui. Por uma série de motivos, vieram pra cá por último. “Foi a primeira vez que estreamos com um público ‘virgem’, normalmente são sempre conhecidos nossos na plateia das primeiras apresentações, foi bom sofrer esse baque. Além disso, é bom poder fazer uma temporada grande, algo tão raro aqui em BH”, conclui.
Prazer
Com a Cia. Luna Lunera
CCBB Belo Horizonte (pça. da Liberdade, 450, Funcionários, 3431-9400). Estreia dia 11 (sexta), às 20h. Sextas, às 20h, e sábados e domingos, às 19h. R$ 10 (inteira). Até 22 de dezembro.