Todo dia de manhã, às vezes antes mesmo do sol nascer, o gatinho Kiko começa a jogar coisas no chão. A ideia é fazer barulho e acordar sua tutora, a estudante Cláudia Farias, 33, para que ela coloque ração em sua tigela. Mesmo quando ela levanta e ignora as investidas, ele não desiste, e continua a seguindo pela casa e miando. Cláudia, no entanto, resiste e aguarda até a hora certa, porque Kiko está acima do peso e faz dieta. Ele tem 8 kg e, embora seja um gato de porte grande, a veterinária alertou que suas gordurinhas estão além do desejado.
Mesmo pessoalmente não considerando seu bichinho gordo, a estudante achou melhor seguir as orientações da profissional, afinal, assim como em humanos, o sobrepeso e a obesidade podem acarretar uma série de problemas de saúde para os animais. Dessa forma, não só Kiko como os outros oito gatos da casa comem em horários e quantidades predeterminadas.
Não há dados específicos sobre o Brasil, mas um estudo de 2012 da Associação para a Prevenção da Obesidade entre Animais de Estimação (Apop, na sigla em inglês) aponta que 53% dos gatos dos Estados Unidos estão acima do peso; entre os cães, o índice é ainda maior: 55%. Desses animais, mais de 20% são clinicamente obesos. As consequências desse quadro, para eles, são parecidas com as nossas: também correm um risco maior de sofrer de problemas cardíacos e articulares, colesterol alto, diabetes e câncer, por exemplo.
E o problema, na opinião do veterinário José Lasmar, é negligenciado não só pelos tutores dos pets, mas pelos próprios profissionais de saúde animal. “Isso não pode passar batido, porque implica diretamente na diminuição da qualidade e da expectativa de vida dos bichos”, adverte (confira no quadro ao lado problemas decorrentes da obesidade e do sobrepeso nos animais de estimação).
Em determinados casos, as causas da obesidade e do sobrepeso dos bichinhos podem ser hormonais, mas o principal fator desencadeador desse quadro é comportamental: e quem está errando não é o animal. “As pessoas acham bonitinho, é igual criança roliça, mas a gordura é só a ponta do iceberg”, adverte o zootecnista Renato Zanetti. “Mas isso diminui a longevidade deles, faz com que sintam mais calor, torna a vida mais complicada”.
Ao contrário do que se pode supor, os animais não precisam, como muitos nutricionistas indicam para humanos, comer em intervalos curtos, ou várias vezes ao dia. “Eles precisam receber uma quantidade nutricional relativa a seu gasto energético, não precisa ser dividida em horas, pode ser uma alimentação por dia, só. Somente em caso de filhotes é bom parcelar, porque, em geral, eles não têm espaço no estômago pra quantidade diária que precisam”, explica o zootecnista, acrescentando que alguns cães até comem uma vez por dia só, por vontade própria.
Afeto
Zanetti observa que existe uma noção inversa das necessidades dos pets. “A primeira não é alimentação, é atividade física. A segunda é carinho e só em terceiro lugar está a alimentação. Por falta de tempo, os tutores costumam dar comida demais, algum carinho e nenhuma atividade física”.
De uma participação recente num congresso internacional, o veterinário José Lasmar chegou a uma conclusão correlata: tutores estabelecem uma relação de afeto com o ato de alimentar seus bichos. “A FDA (Food and Drug Administration, agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos) autorizou as pesquisas com um inibidor de apetite para animais, que começou a ser testado. No início, o medicamento funcionou, mas após um tempo, os pets pararam de perder peso”, conta. “Ao conversar com os voluntários, os realizadores da pesquisa entenderam o que estava acontecendo: os tutores suspenderam o inibidor, porque começaram a sentir seus bichinhos distantes, já que eles não vinham mais abanando o rabo pedir comida”.
É mais ou menos o que acontece com a labradora Sofia, que está aproximadamente 7 kg acima do peso. Sua tutora é a bacharel em direito e ativista Val Consolação, 45, mas a “guarda é compartilhada” com seu pai e é na casa dele que a cachorra mora. “Eu comprei ração diet pra ela, mas quando cheguei lá meu pai tinha cozinhado angu e misturado para dar à Sofia, dizendo que ela não havia gostado”, diz. “Ele dá todo tipo de comida pra ela e pra outra cachorrinha que mora lá, de misto quente a dobradinha, e, quando as leva pra passear, é no carro. Eu que tenho assumido a responsabilidade das caminhadas dela, mas com a comida realmente não tem tido jeito”.
Consequências
Muito além de uma questão estética, sobrepeso e obesidade acarretam em problemas de saúde para o animal. Veja abaixo alguns:
Cães Doenças cardiorrespiratórias, articulares, ósseas, aumento do risco em caso de anestesia
Gatos Todas os problemas dos cães acrescidos de doenças de trato urinário e cálculo renal
(*) Fonte Renato Zanetti, zootecnista
Dieta e atividades físicas já!
Assim como perder peso costuma ser uma tarefa árdua para humanos, ela também o é para os animais. Por isso, é preciso muita determinação e dedicação dos tutores nessa tarefa. O professor Daniel Diniz, 39, e sua esposa já conseguiram fazer a gata Lúcia perder 2, dos 3 kg de que ela precisava se livrar para chegar ao peso ideal.
“Nós e até a veterinária chegamos a achar que ela estava prenha, mas era gordura mesmo. Desde que constatamos que não era uma gestação, começamos o regime, porque ela já teve muitos problemas de saúde e não queremos que desenvolva outros”, conta. “Inclusive o hábito de dar remédio na comida, pelo fato de ela ser muito brava, contribuiu para o ganho de peso. Por isso, também seria impossível aplicar insulina se ela ficasse diabética”.
A clínica em que Lúcia é tratada também tem um gato obeso, e foi da experiência com ele que descobriram a fórmula do emagrecimento: cortar carboidratos, optando pelas rações de sachê, em vez das secas. “Damos nos horários e quantidades certas, colocamos aguinha. Às vezes, ela enjoa, então, tem que pôr água quente, trocar de sachê”, comenta Daniel.
Associado a isso, todo dia de manhã o professor brinca com a gatinha por ao menos meia hora, a fazendo se movimentar. Ela havia chegado num ponto que mal conseguia se lamber e, vez por outra, aparecia mancando, por cair de mau jeito das superfícies. Chegaram a tentar passear com ela numa coleira, mas não funcionou. Com a perda de peso, porém, ela voltou a se mover bem e é inclusive mais ativa que sua irmã mais nova, Catarina, que, no entanto, não tem problemas com o peso.
Peso na consciência
Mas ainda é difícil não ceder aos apelos de Lúcia por comida. “A função dela durante o dia é correr atrás, mostrar pra gente onde fica o pacote de comida. Me sinto culpado e, como também sou gordo, fico imaginando que, se não for suficiente, ela não tem como abrir o armário e pegar por conta própria. E eu sei o quão péssimo é sentir fome. Mas é que a gente acaba jogando uma projeção de um problema que é nosso sobre o bicho”, afirma.
No caso dos cães, é preciso intensificar os passeios. Aliás, passeios não: caminhadas. “Independentemente do porte, os cães precisam caminhar, no mínimo, 20 minutos diariamente. Eles precisam voltar pra casa arfando”, observa o veterinário José Lasmar. “E, dependendo das condições do animal, por exemplo, se for velhinho, adaptar às condições, como evitar, em horários quentes demais, levá-lo pro asfalto etc. Mas é importante frisar que sem atividade física, não existe saúde, longevidade e emagrecimento”.
Dependendo da condição estrutural do corpo do animal, principalmente do cão, ele pode ser mais ou menos propenso ao acúmulo de gordura, por isso, só o veterinário pode determinar a quantidade e o tipo de ração que ele deve consumir, mas a regra do passeio vale para todos, sem exceção. O pet shop em que José Lasmar atende, o Bom Garoto, organiza periodicamente caminhadas coletivas.
“Fazemos a Golden Morning para golden retriever, a Caminhada da Lua Cheia, que inclusive aconteceu recentemente. Costumo dizer que cão é sinal de passeio, se a pessoa não está habituada, precisa começar quando adota um cachorro”, afirma Lasmar.
O zootecnista Renato Zanetti endossa o comentário e completa: “O peso do cachorro reflete as atitudes do dono. Na Dog Solution (centro de convivência para cães em que trabalha), outro dia havia um cachorrinho que estava gordo e nós fomos falar com o tutor e ele achou ruim. Ele também estava acima do peso. Agora, que fez cirurgia bariátrica e mudou seus hábitos, também está preocupado em mudar os do cachorro”, conclui.
Sinais que ajudam a identificar em que faixa de peso o pet está
Como raça e porte fazem variar os tamanhos tanto de cães quanto de gatos, quem sabe diagnosticar com precisão o sobrepeso (quando tem de 10% a 20% a mais que o peso ideal) e a obesidade (mais de 20% a mais que o peso ideal). Entretanto, alguns sinais ajudam o tutor a identificá-los (e também se estiver abaixo do ideal)<
MUITO ABAIXO DO PESO
Costelas Facilmente palpáveis, sem cobertura de camada de gordura.
Base da cauda Ossos proeminentes sem a cobertura de camada de gordura.
Vista lateral Silhueta abdominal muito pronunciada.
Vista de cima Formato de ampulheta acentuadamente pronunciada.
ABAIXO DO PESO
Costelas Facilmente palpáveis, sob uma fina camada de gordura.
Base da cauda Ossos proeminentes sob uma discreta camada de gordura.
Vista lateral Contorno abdominal.
Vista de cima Formato de ampulheta pronunciada.
PESO IDEAL
Costelas Facilmente palpáveis sob uma discreta camada de gordura.
Base da cauda Contorno suave, com discreta camada de gordura.
Vista lateral Contorno abdominal visível.
Vista de cima Cintura proporcional.
ACIMA DO PESO
Costelas Difícil palpá-las sob camada moderada de gordura.
Base da cauda Um pouco grossa, mas com ossos palpáveis sob uma camada moderada de gordura.
Vista lateral Sem contorno abdominal.
Vista de cima Superfície dorsal mais longa na cintura.
OBESO
Costelas Difícil palpá-las sob camada espessa de gordura.
Base da cauda Grossa e de difícil palpação sob camada espessa de gordura.
Vista lateral Sem cintura, com gordura pendente do abdome.
Vista de cima Superfície dorsal acentuadamente mais larga.