No curso do bate-papo com o Pampulha, não foram poucas as vezes em que Cristal Lopez citou a mãe, Rita de Cássia. “Me sinto abençoada por tê-la”, sintetiza a atriz, que dedica à genitora o monólogo performático “Reconstruindo e Construindo Uma Jovem Cristal”, uma das atrações da próxima semana na “Ocupação Transarte”, evento que ocupa a Funarte MG até novembro, com manifestações artísticas e culturais pautadas pela diversidade. A estreia de Cristal será na quinta (26), às 19h. Auto-biográfico, o texto é parte de uma trilogia que repassa momentos da trajetória da artista e ativista na luta pelos direitos LGBT+. Nem todos, claro, fáceis de rememorar.
“Na verdade, o espetáculo começa muito forte, com um estupro que sofri na juventude. Ou seja, o início é impactante, mas, no final, já está mais leve”, diz a mineira, que já foi apontada pelo crítico teatral Miguel Arcanjo Prado como a “diva da cultura” na capital mineira.
Não é exagero. Quem já presenciou a participação de Cristal no Carnaval belo-horizontino, por exemplo, atestou o impacto que sua aparição provoca, o que a faz ser sempre ovacionada. A decisão de contar sua história, porém, vem de uma constatação dura. “Me sinto privilegiada por ter chegado aos 35 anos de vida”.
Cristal refere-se ao fato de a estatística de vida de transexuais no Brasil ser justamente essa, ou seja, menos da metade da população em geral (75,5%, segundo o IBGE). “Muitas amigas minhas não chegaram a essa fase. Talvez a minha sorte tenha sido ter tido a retaguarda da minha mãe, que não me expulsou de casa, me deu total apoio. Sou negra, periférica. Ser uma referência na cena cultural da cidade significa estar contra todas as probabilidades. Me sinto vitoriosa”, constata ela, lembrando que nem poderia ser outra pessoa, que não ela mesma, a assinar texto e direção. “Só eu poderia contar a minha história”.
Mas, mais que apenas dividir com o público sua biografia, a empreitada tem o objetivo de levar alento a outras pessoas que lidam com a questão da identidade de gênero. Questão que, no seu caso, aflorou com mais urgência na pré-adolescência, quando morava em São João del-Rei. Foi aos 12 anos que Cristal começou a assumir a identidade feminina, coerentemente com o que sua alma e seu coração impunham.
Do tempo que precedeu essa baliza, ela guarda uma lembrança: os meninos iam para as ruas se enfronhar em brincadeiras e jogos comuns ao universo masculino, enquanto ela preferia ficar em casa, ouvindo as músicas que a mãe apreciava. “Como os tropicalistas: Gal Costa, Caetano Veloso...”, enumera. Aliás, Cristal frisa que o espetáculo é permeado por essas músicas que foram marcantes em sua trajetória, e que ela trata de apresentar em momentos nos quais coloca em cena sua aptidão para a dança – aos 16 anos, ela começou a ter aulas de jazz.
A Ocupação Transarte também programa, para a semana, o espetáculo “So+MOS”, que traz dois bailarinos que compõem cenas com poesia, movimento e dramaticidade, norteados por questões como identificação e orientação sexual.
Reconstruindo e Construindo Uma Jovem Cristal
Funarte MG (rua Januária, 68, Floresta). Dias 26/10 e 2/11, às 19h. R$ 20 (inteira). Pessoas trans não pagam.
Ocupação Transarte
Na Funarte, até 12/11. Confira programação completa no site: www.pedevento.art.br/transartebh
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