Cultura cervejeira

Artesanal  e caseira 

Belo-horizontinos têm descoberto o prazer de fazer a própria cerveja

Por Luna Normand
Publicado em 19 de outubro de 2013 | 03:00
 
 
 
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A cultura cervejeira de Belo Horizonte vem ultrapassando a forte tradição comercial da loura gelada em seus milhares de botecos. Apreciador nato da bebida, o belo-horizontino agora tem partido em busca de variedade, sofisticação e qualidade, que pode ser conquistada, por que não, no conforto de sua própria casa.

Cresce, a cada dia, o número de pessoas que tem descoberto o prazer não só de consumir, mas de fazer sua própria cerveja. Acompanhar a magia do processo de transformação dos grãos, lúpulo, água e levedo, escolher os grãos e suas inúmeras combinações e saborear o resultado final com características tão especiais de cor, aroma, sabor e corpo, tem virado um hobby para centenas de apreciadores da bebida.

Assim fazem a nutricionista Josy Furtado e o noivo, o petroleiro Paulo Mourthé. Quando bate aquela vontade, eles retiram do congelador uma das várias garrafas produzidas por eles mesmos em casa. “As cervejas artesanais e especiais são mais saborosas e, dependendo do estilo, é possível sentir notas como frutados, café, chocolate, algumas são refrescantes, outras mais quentes, amargas. O mundo cervejeiro é apaixonante e não tem volta”, diz Josy.

A Associação de Cervejeiros Artesanais de Minas Gerais (Acerva–MG) contabiliza mais de cem associados, sendo que, para cada um deles, são estimadas outras três pessoas. A produção caseira engloba equipamentos como fogareiro industrial, panela e fermentador. Além disso, são quatro os ingredientes básicos, com os quais você tem possibilidades infinitas de variações: malte, lúpulo, água e fermento.

Josy explica que o tempo médio para uma cerveja ficar pronta é de cerca de dois meses. “Esse tempo inclui a fase do cozimento do mosto (mistura entre água e malte), que é quase de um dia inteiro. Depois vem a fermentação, que leva, em média, 15 dias. A maturação consolida ou ‘arredonda’ os aromas e sabores, o que pode levar até 20 dias”, explica. Feito isso, a cerveja é engarrafada com mais um pouco de açúcar e está pronta para o consumo em cerca de cinco dias.

Na escola

Todo esse processo eles aprenderam em 2010, durante um curso na Taberna do Vale, a primeira cervejaria escola de Minas Gerais. Já são mais de mil alunos formados, de acordo com o proprietário e mestre cervejeiro Felipe Viegas. “Cerca de 40% das pessoas que fazem o curso vão realmente fazer cerveja em casa. São elas que divulgam e ajudam a disseminar essa cultura”, revela.

O perfil do público que busca cursos de produção caseira da bebida é variado, mas, no geral, são homens com faixa-etária entre 20 e 50 anos, que desembolsam em média R$ 400 por três dias de contato com a cultura cervejeira. “As pessoas aprendem não só a degustar, harmonizar e manusear os equipamentos envolvidos no processo de produção, mas também a história da cerveja, além de sair da escola pronto para envasar a bebida nas garrafas. A ideia é dar toda condição para que a pessoa possa fazer a própria cerveja”, explica Viegas.

Os músicos Maurício Ribeiro e Edson Fernando investiram cerca de R$ 1.500 em panelas, fogareiro de alta pressão, fermentador e termômetro dar início à produção caseira, em 2011. Hoje, eles se encontram em média duas vezes ao mês para produzir 50 litros de cerveja. Os ingredientes são comprados, em sua maioria, pela internet, já que, segundo eles, em BH é difícil encontrar a matéria-prima. “O quilo do malte, por exemplo, varia entre R$ 3 e R$ 15. Compramos em lojas virtuais especializadas, pois é bem mais barato”, revela.

A tarefa dura o dia todo. “É um processo que requer tempo. O cozimento do mosto (mistura de malte e água) dura em média nove horas. Depois, tem ainda a fermentação e maturação do malte”, explica.

O prazer em fazer e consumir a própria bebida, no entanto, é o que faz a diferença para Maurício. “Isso me fez mudar os hábitos e os locais que eu frequento. Hoje, quando não bebo em casa, priorizo bares que tenham cervejas especiais por causa dos seus ingredientes nobres e do sabor superior”, afirma.

Descobertas

Na esteira da disseminação da cultura cervejeira em Belo Horizonte, as mulheres têm ganhado destaque, diminuindo o estigma de que cerveja é coisa estritamente masculina. E elas são disciplinadas. A Cheers – Confraria Feminina de Degustação de Cervejas Especiais, formada por 12 mulheres, se reúne a cada três semanas para degustações, harmonizações, estudos, boas companhias e, claro, ótimas cervejas. Uma das integrantes, a advogada Paula Noce, explica que é tudo muito organizado. “A gente propõe um tema que envolve cerveja e cada uma busca conhecimento sobre aquilo para repassar para as outras. Já estudamos sobre o lúpulo, o malte, a escola inglesa de cerveja. E ainda escolhemos de 3 a 5 rótulos para provar, harmonizando com algum prato ou mesmo só assistindo a algum filme ou ouvindo música”.

Grande parte sabia pouco ou quase nada sobre cerveja. Por isso mesmo, o objetivo, segundo ela, é ampliar a cultura cervejeira também no mundo feminino. “Queremos mostrar que, assim como o vinho, é possível degustar a cerveja e não só bebê-la por beber. Neste sentido entra a artesanal, que tem sabores muito mais complexos. Quem conhece não volta nunca mais para as comerciais. Você é fisgado pelo sabor, aroma, textura e versatilidade”, afirma.

Por enquanto, nenhuma das 12 integrantes produz a própria cerveja. “Conhecemos muita gente que faz, inclusive os nossos maridos e namorados. Mas nossa intenção é expandir, sim, e passar a fazer também”, diz ela, que acrescenta: “BH sempre foi uma cidade conhecida por seus bares e eu acho muito bacana esse ‘norte’ que a cerveja tem tomado por aqui”, conclui.

Virou mania
 
Seja produzindo a bebida em casa, ou buscando por endereços que se dediquem a ela, a cerveja artesanal virou mania na cidade. Com sabores, cores e texturas diferenciadas das tradicionais pilsen, elas têm cativado um público cada vez mais exigente e viraram um case de sucesso em Belo Horizonte, que vem sendo considerada a Bélgica brasileira. Produzidas manualmente ou com a utilização de máquinas consideradas rústicas, já somam em Minas Gerais cerca de 600 mil litros fabricados por mês, de acordo com dados do Sindicato das Indústrias de Cerveja e Bebidas (Sindbebidas-MG).
 
Este cenário é composto não só pelas microcervejarias – são, ao todo, 25 no Estado com registro no Ministério da Agricultura –, mas também pelos endereços especializados, os cursos de produção de cerveja, os eventos segmentados e até um roteiro turístico dedicado à cerveja. “O belo-horizontino já tem essa cultura de bar há décadas. Estou há seis anos no mercado e tenho notado, nos últimos tempos, uma mudança no perfil do público consumidor, principalmente depois da Lei Seca. Agora, eles bebem pouco, em casa e em grupos, e por isso têm procurado mais qualidade, o que tem despertado a curiosidade sobre como é feito aquele produto”, revela o beer sommelier Pablo Carvalho.
 
A sofisticação dos hábitos dos belo-horizontinos, como consequência da melhora no poder aquisitivo da população, também é um dos responsáveis pelo crescimento deste mercado, segundo Marco Falcone, proprietário da Falke Bier e vice-presidente da SindBebidas. Há nove anos no mercado, ele também destaca o know-how de Minas Gerais como fator para essa expansão.  “Esse ‘boom’ vem de seis anos pra cá, seguindo o movimento que teve início nos EUA e depois na Europa, há dez anos. À medida que as pessoas vão tendo uma melhora no poder aquisitivo, elas criam melhores hábitos e querem melhores comidas e bebidas. Sendo assim, o mercado artesanal soube aproveitar esse momento no Brasil, principalmente em Minas”, diz.
 
A Falke Bier produz cerca de 10 mil litros por mês, distribuídos nacionalmente e internacionalmente por meio de nove rótulos. “Minas é pioneiro em mostrar essa cerveja feita de forma artesanal. O nosso diferencial é a criatividade e, com ela, estamos tornando BH cidade-símbolo dessa bebida. Gosto de dizer que o mineiro é um público empreendedor nato e fechado pelas montanhas; eles fazem e só depois levantam essa bandeira para o resto país”, filosofa.
 
Roteiro
De olho no potencial turístico das cervejas artesanais, Belo Horizonte e região metropolitana se enchem de opções para esse novo público consumidor. Neste fim de semana, acontece em Nova Lima a terceira edição da Uaiktoberfest, idealizado por um cervejeiro de carteirinha, Alfredo Figueiredo. Há 14 anos, ele descobriu o prazer de fazer a própria cerveja e, agora, já tem até rótulo próprio: a VMBeer. “Comecei a produzir por curiosidade e prazer. Porém, minha bebida passou a fazer sucesso entre os amigos. Descobri, então, que, assim como eu, havia muitos cervejeiros artesanais em Nova Lima. Decidi reuni-los”, diz ele, que espera cerca de 40 mil pessoas no evento.
 
Já em BH, até 9 de novembro, será realizado o Beer Fest, primeiro circuito gastronômico dedicado  exclusivamente às cervejas artesanais, reunindo a consagrada diversidade da cozinha mineira com os sabores da bebida. Ao todo, cinco estabelecimentos vão participar dessa primeira edição, entre eles o Rima dos Sabores. Localizado no Prado, ele é uma das opções exclusivas para apreciadores da cerveja especial, com cerca de 120 rótulos no cardápio, escolhidos criteriosamente. “As pessoas estão buscando sabores novos, coisas diferentes. Sempre quando tem cerveja nova no mercado tem gente para experimentar”, diz o proprietário, Juliano Caldeira. 
 
Já para quem deseja ver de perto todo o processo de produção da cerveja artesanal, a Belotur, em parceria com a Associação Brasileira dos Agentes de Viagens (Abav-MG), lançou um roteiro turístico que engloba as microcervejarias de Belo Horizonte e região. De acordo com a diretora da Libertas Viagens e Experiências, que executa o roteiro, a procura tem aumentado. “As pessoas querem entender o processo e não beber cerveja apenas pelo álcool”, afirma.
 
Com café da manhã e almoço cervejeiro incluídos, o dia pela rota das cervejarias artesanais custa, em média, R$ 200. E expectativa da empresa é otimista para 2014, ano da Copa do Mundo no Brasil. Por isso mesmo, também são oferecidos atendimentos em inglês, espanhol e francês. “Teremos saídas fixas durante os jogos, pois sabemos que há demanda, já que o público da Copa é consumidor desse produto”, finaliza.
 
Preço salgado
 
Algumas versões da cerveja artesanal, além dos ingredientes básicos, ainda incorporam em suas receitas especiarias, como cascas de laranja, coentro, camomila, nós moscada, cardamomo ou até mesmo frutas, possibilitando uma infinidade de variações e sabores. 
 
Com tanta versatilidade é importante saber harmonizar. Para não errar, o bier sommelier Pablo Carvalho indica combinar a cerveja artesanal de gosto suave com pratos leves. Já as comidas pesadas e gordurosas vão bem com bebidas mais encorpadas. “Também é importante beber em goles pequenos, para o paladar sentir melhor os sabores, e não deixá-la muito gelada, pois, assim, o líquido fecha as papilas gustativas da língua e perdemos a sensação do paladar”, ensina. 
 
Com ingredientes melhores, a qualidade tende a ser superior e o preço, também. O preço de uma garrafa parte, em média, de R$ 10, podendo a chegar a R$ 150. A explicação está na logística e na alta carga tributária. “Pagamos os mesmos impostos que as grandes cervejarias, que têm em sua produção matérias-primas não-nobres”, reclama Marco Falcone, proprietário da Falke Bier. 
 
Uaiktoberfest 
Festa da cerveja artesanal em Nova Lima(r. Antônio Serafim da Silveira, Nova Lima. Sábado (19), das 11h às 0h, e domingo (20), das 11h às 22h30. Entrada gratuita. <EM><QA0>
 
Circuito Gastronômico Beer Chef 
Festival de harmonização de cervejas artesanais
(Até 9 de novembro, nos seguintes restaurantes: Agosto Butiquim, Rima dos Sabores, Xapuri, Mercearia 130 e La Palma). Pre

 

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