Reportagem

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Delegações de dez países e turistas de outros tantos vão desembarcar em BH durante a Copa. Conhecer um pouco de seus costumes ajudará o belo-horizontino a recebê-los melhor

Por Bárbara França
Publicado em 16 de maio de 2014 | 11:40
 
 
 
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Já dizia o poeta: “ser mineiro é não dizer o que faz, nem o que vai fazer. É fingir que não sabe aquilo que sabe. É falar pouco e escutar muito. É passar por bobo e ser inteligente”. Mineiro come quieto e pelas bordas, é desconfiado e fica só de banda observando. A tal da mineiridade é meio cabreira e sisuda, mas quando o assunto é o trato com o diferente, pode ser considerada uma vantagem.
 
Belo Horizonte é uma das capitais que mais receberão estrangeiros durante a Copa do Mundo. Só a semifinal que a capital abrigará, em 8 de julho, último dos seis jogos que acontecerão no Mineirão, terá mais da metade da torcida ocupada por estrangeiros, sendo em sua maioria argentinos, alemães e ingleses, como revelam dados do Ministério do Esporte. Então, com a casa cheia de gente “de fora”, ser respeitoso e bastante cauteloso é essencial para estabelecer uma boa convivência, sem constrangimentos.
 
Para a jornalista e especialista em comunicação empresarial Janaina Depiné, como o mineiro pensa muito antes de agir e é mais demorado para tomar decisões, o risco de cometer gafes com os turistas diminui, já que a observação atenta é regra número 1 para entender os limites que o outro sinaliza aos seus interlocutores. “O mineiro é naturalmente mais contido, observa primeiro, é mais reservado, simpático. Além do mais, há o acolhimento, o mineiro é bom anfitrião, então, acho que vai ser uma grande diferença na hora de receber o estrangeiro. Ele faz tudo pra agradar, pensa muito antes de agir, é mais ponderado, não vai chegar invadindo o espaço do outro. Acho que essas são as principais características na hora de receber pessoas de costumes tão diferentes”.
 
Sob encomenda do Senac de Minas Gerais, Janaina ajudou a elaborar uma espécie de manual de boas maneiras internacionais no qual compila aspectos das indumentárias, alimentares e comportamentais de povos das diversas regiões do planeta que possivelmente visitarão o Brasil durante os eventos esportivos. Lançada em 2012, a cartilha “Recebendo Turistas de Braços Abertos” foi pensada para auxiliar os mais variados ramos do turismo durante a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Mas, de acordo com a consultora, ele é válido para qualquer pessoa que queira se preparar, mesmo que um pouquinho, caso se depare com algum estrangeiro precisando de orientações, por exemplo. “Quando uma pessoa vai para outro país, geralmente é ela que se prepara, lê sobre a cultura de lá, tenta se adequar de alguma forma. Mas o bom anfitrião costuma querer que seus visitantes se sintam confortáveis. Então, quem recebe faz tudo para que a pessoa que vai chegar se sinta bem acolhida e isso também vale para as relações internacionais”.
 
Cuidado com os estereótipos
Conforme o especialista em turismo do Senac André Luiz Carvalho, longe de perpetuar estereótipos, a ideia é tornar as relações mais naturais. “Quando nós não temos um conhecimento prévio de um cultura estrangeira, tentamos identificar traços que são comuns aos nossos. Então, mais do que tentar apresentar algo como exótico, queremos que o turista seja recebido na sua condição de visitante, dentro da nossa casa. Eles vêm conhecer o Brasil, querem conhecer o que temos de mais autêntico, mas precisamos ser respeitosos com os traços diferentes. Tomar cuidado para não fazer com que as pessoas se sintam desconfortáveis ou ofendidas”.
 
Janaina organizou as dicas a seguir a partir de informações que obteve conversando com amigos e jornalistas, lendo materiais produzidos por embaixadas e demais órgãos de divulgação e turismo, bem como através de suas próprias experiências como viajante. E, com toda a experiência na bagagem, ela adverte: é melhor o jeitinho brasileiro ficar em casa. “Furar fila ou segurar lugar não fica bem em lugar nenhum”. 
 
Depoimento
 
Gober Mauricio Gomez Llanos, colombiano, estudante de pós-graduação em comunicação pela UFMG, mora em Belo Horizonte há dois anos
 
“Normalmente, o que acho mais chato como estrangeiro são os temas sobre os ‘carteles’ de drogas. É sempre um comentário de referência quando eu me apresento. Uma vez, no aeroporto do Rio de Janeiro, ajudei uma menina com a mala e ela percebeu meu sotaque. Quando eu disse que era da Colômbia, ela começou a falar da qualidade da cocaína e fez um gesto, levando seu dedo ao nariz. Na hora eu só pensei: ‘que chato, a mesma história de novo!’. Para o colombiano, eu acho que é o tema que mais se apresenta na sua interação com o estrangeiro. É só falar em Colômbia e já comentam do Pablo Escobar, os estereótipos de sempre. A gente não sabe se é uma ‘marca’ do valor da narcocultura, um nível de reconhecimento... Talvez muitos se identifiquem, mas outros, que conhecem as agruras da guerra, não compartilham esse tipo de reconhecimento.
 
Eu tenho um amigo que mora no Chile e ele comenta que os chilenos têm medo dos colombianos por causa desse tipo de estereótipo. Eu acho isso perverso, ruim. Uma dica para todos os latino-americanos: não deem as costas ao que está além dos Andes. Olhemos mais para a América Latina porque compartilhamos muitas matrizes culturais.”
 
 
Quem vem As seleções da Colômbia, Grécia, Bélgica, Argélia, Argentina, Irã, Costa Rica e Inglaterra disputarão jogos na cidade; Uruguai, Chile e Argentina escolheram a capital para abrigar suas delegações
 
 
Alguns Costumes Europeus e latinos
 
Argentina 
Sem preconceito Amigos do sexo masculino costumam se beijar no rosto.
Fala Os argentinos falam em tom alto e todos ao mesmo tempo.
 
Colômbia 
Indelicadeza Para o colombiano, bocejar em público é considerado extremamente indelicado.
 
Costa Rica 
Hermanos O país e os demais “hermanos” latino-americanos, segundo Janaina, são muito parecidos no que tange à questão da proximidade, do toque, da descontração. E também não são tão rígidos com horários.
 
Inglaterra e Bélgica 
Discrição Eles costumam ser discretos, não falam alto e nem fazem movimentos espalhafatosos. 
Objetividade Os países integrantes do Reino Unido (Inglaterra, País de Gales, Irlanda do Norte e Escócia) gostam de objetividade, consistência e concisão. 
Gorjeta Costumam arredondar a conta para cima, já incluindo a gorjeta.
Costume Para eles, colocar a mão no bolso é falta de respeito. 
Pontualidade Europeus costumam ser muito pontuais. Suíços e escoceses são tão pontuais que convém chegar 15 minutos antes. Os espanhóis, irlandeses e franceses são mais flexíveis.
 
 
Grécia
Embora a Grécia também fique na Europa, Janaina Depiné elenca alguns aspectos mais específicos
Cigarro Muitos gregos fumam. É bom ser gentil para explicar nossa lei anti-tabaco.
10% Eles não estão acostumados com gorjetas, então é bom avisar da nossa.
Gestual A mão em figa, para o grego, tem conotação sexual. Além disso, o gesto usado para pedir carona vira um convite sexual. Fique atento!
 
 
 
Indo além da fronteira dos velhos estereótipos
Copa do Mundo vai proporcionar a oportunidade para conhecer outras culturas
 
Estereótipo, no dicionário, é substantivo masculino que se refere a uma ideia, conceito ou modelo estabelecido como padrão. É aquilo que não é original e segue modelos já conhecidos. Por exemplo, falamos em Inglaterra, pensamos em pontualidade, do Irã, logo lembramos das vestimentas tradicionais usadas pelas mulheres. É lugar comum (como a própria definição de “ser mineiro” apresentada no início desta reportagem), que tanta gente valoriza e outros tantos nem se reconhecem. Estereótipo, ainda, é sinônimo de preconceito e ele tem potencial de se transformar nas mais diversas intolerâncias quando manifesto principalmente em relação a algo que mal ou pouco conhecemos. Este pode ser o caso da cultura dos diferentes países cujas seleções vão jogar em BH durante a Copa. Representantes da Argentina, Costa Rica, Colômbia, Inglaterra, Bélgica, Grécia, Argélia e Irã logo pisarão em solo belo-horizontino para mostrar seu futebol, mas sobretudo para promover um interessante intercâmbio cultural.
 
De acordo com a mestre em comunicação social e estudiosa da alteridade Priscila Dionízio, os estereótipos não são necessariamente algo ruim e, dependendo da situação, podem proporcionar uma abertura para um primeiro contato. “O estereótipo cria uma ideia de povo e a princípio pode ser uma ponte entre diferentes”, comenta. Priscila lembra uma viagem que fez a Cuba, onde foi constantemente abordada sobre novelas, futebol e também sobre Roberto Carlos, o Rei. “Os cubanos com quem conversei, inclusive, achavam que o cantor fosse negro e ficaram desapontados quando eu desmenti a hipótese!”, brinca a pesquisadora. Mas, segundo ela, é preciso ter em mente que essa “ponte” construída por conhecimentos prévios é sempre frágil. “Não podemos ficar só aí, o lugar comum não permite ter um encontro realmente dialógico com o outro. É um primeiro chão de diálogo, mas você deve saber que a ideia que se tem já é uma ideia redutora e é muito importante estar disposto a ultrapassá-la”.
 
Pejorativo
Priscila explica que os discursos propagados pelos mais diversos âmbitos culturais da sociedade, como a literatura, o cinema, a ciência, e principalmente a mídia, criam sistemas de ideias que reforçam valores do que é ser mulher, ser negro, ser mineiro, argentino, europeu e aí por diante... O estereótipo é uma espécie de norte, mas, ao cristalizar a definição do que é ser algo, ele chega a ser pejorativo, violento, principalmente quando pensamos nas características atribuídas a minorias. “É preciso entender que na terra dos turistas, possivelmente, primam outros sistemas de ideias, outros valores e eles podem entrar em conflito com os nossos. Não podemos fazer juízo de valor de forma a desqualificar a experiência dos estrangeiros e diminuir sua cultura”. 
 
Afinal, você não vai querer irritar um árabe taxando-o de terrorista ou constranger um colombiano solicitando a ele drogas simplesmente por causa do que ouvimos sobre o narcotráfico seu país, não é mesmo? Nesse sentido, conhecer um pouco dos costumes de cada país como os oferecidos pela consultora Janaina Depiné pode ser uma boa forma não apenas de se relacionar bem com o pessoal de fora, mas de relativizar e refletir sobre aquilo que julgamos bom ou ruim, certo ou errado. “Mais que julgar o diferente, é importante aproveitar a oportunidade da Copa para conhecer outras culturas e aprender com elas”, comenta Janaina.
 
Irã, Argélia e demais países árabes
Confira abaixo alguns hábitos e características da cultura dos países árabes
 
Atenção Nos países árabes, mostrar a sola do sapato ao cruzar as pernas é grosseiro, pois esta é considerada a parte mais suja.
Laços As pessoas fazem uma reverência antes do aperto de mão, pois o toque acontece apenas depois que se criam laços.
Elogios Evite elogiar algum objeto de um árabe. Ele é capaz de oferecê-lo a você e será uma ofensa não aceitar.
Negócios A paciência na cultura árabe é considerada uma virtude. Primeiro fala-se de assuntos sociais e depois é que são abordados os negócios. Recusa-se a tomar as decisões rapidamente, portanto, dê todas as informações necessárias e escute muito. Gostam de estabelecer certo grau de familiaridade e confiança ao negociar.
Feminino Para os muçulmanos alguns presentes devem ser evitados como bebidas alcoólicas, fotos ou esculturas com figuras femininas.
Satisfação Comer bastante é sinal de que a comida foi apreciada.
Formalidade Chame sempre as pessoas pelo sobrenome ou título que possuam (Ex: sr.Salim ou doutor).
Mimos Café ou chá são bastante apreciados. 
Hábitos Não estranhe se a pessoa comer com as mãos em vez de utilizar talheres.
Cuidado Fazer sinal com o polegar é uma ofensa no Oriente Médio.
Beijos Em países árabes, homens se cumprimentam com beijos
Toque Em países muçulmanos, as mulheres não costumam ser tocadas em locais públicos. É muito importante observar primeiro antes de estabelecer um contato corporal. 
 
 
Depoimento
 
Allaoua Saadi, argelino, professor de geografia da UFMG, há 30 anos em BH
 
“Os argelinos têm um contato muito grande com a Europa, eles estão acostumados a ver outras expressões culturais e, geralmente, quem viaja é uma pessoa que, de alguma maneira, já adotou parte desses comportamentos. Posso elencar algumas características do meu povo: os argelinos bebem muito álcool, poucos são aqueles que têm familiaridade com carne de porco, é preciso tomar cuidado para eles não se excederem (risos).
 
Após a guerra civil, a venda de álcool ficou mais restrita por causa dos fundamentalistas religiosos e ainda hoje muitas pessoas não veem com bons olhos consumir bebidas em público. Para evitar problemas, grande parte dos argelinos preferem comprar e levar para suas casas, consumir em locais mais reservados. Não somos bichos estranhos e lá também não vigora um islamismo radical. São pessoas bem fáceis de conviver e, claro, quem está vindo para o Brasil para a Copa do Mundo já é mais aberto. Um muçulmano radical possivelmente não gastaria seu dinheiro com um evento desses aqui. Então, a dica que dou para os mineiros é: recebam os estrangeiros com naturalidade e deem a normal atenção que vocês dariam para qualquer outro hóspede ou visitante.”
 
 
 

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