Reportagem

De portas abertas

Conheça belo-horizontinos que, por ter espaço, vontade de conhecer outras culturas ou intenção de ganhar um dinheirinho extra, vão alugar suas casas durante a Copa.

Por Jessica Almeida
Publicado em 25 de abril de 2014 | 11:32
 
 
 
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Aos 73 anos e com cinco filhos criados, a decoradora aposentada Miria Garcia tem uma casa confortável e espaço de sobra no bairro Serra. Depois de assistir a uma reportagem na TV sobre pessoas que alugarão quartos ou imóveis inteiros a turistas durante a Copa do Mundo, pediu que uma de suas netas a ajudasse a fazer um anúncio online oferecendo seu imóvel a estrangeiros que virão a BH no período.
 
Com a aproximação do evento esportivo de maior audiência do mundo, propostas como a de Miria têm se tornado cada vez mais numerosas em Belo Horizonte. No Airbnb, plataforma na internet que promove o encontro entre anfitriões residenciais e hóspedes de curta temporada (leia mais na página 4), há centenas de anúncios para a época na cidade. 
 
As motivações pra que as pessoas se interessem em alugar sua própria casa são muitas, como observa a administradora de lojas Renata Yanni, 37, moderadora do grupo de anfitriões de BH no site. “Seja por terem cômodos vazios, pela vontade de conhecer culturas diferentes, praticar outros idiomas ou pela necessidade de um dinheiro extra – e podem ser todas essas razões juntas, também – são pessoas de idade e perfil variados. Mas todos têm algumas características em comum: o interesse pelo outro, o gosto por viajar, cuidado, carinho e preocupação com o hóspede. A hospitalidade está no DNA de todo mundo”, diz. 
 
Miria conta que essa foi a chance que encontrou para realizar uma vontade que tem há muito tempo: encher a casa outra vez. “Eu gosto muito de conversar, sou jovial e corajosa. Meu marido é boliviano, tenho uma sobrinha que mora na Austrália, a vida inteira recebi hóspedes estrangeiros. Estou disposta a oferecer café e também cozinhar, se houver interesse. Quero mostrar como se vive em uma família brasileira”, conta. “Espero ter uma convivência que deixe saudades e que possamos manter contato posteriormente”.
 
Cheia de planos, ela imagina o que virá depois dessa primeira experiência. “Quero continuar recebendo visitantes mesmo depois da Copa, me parece uma troca boa. Pretendo usar o dinheiro na festa de 50 anos de casamento, que farei ano que vem, e também para me ajudar a transformar a casa num espaço de fotografia para noivas”, conta.
 
Sem hermanos
No apartamento do relações públicas André Macedo, 27, que também vai ser anfitrião, os critérios de seleção dos hóspedes são três: não pode ser fumante – vai que aparece um inveterado? – não pode trazer animais e, por último, mas não menos importante, não pode ser argentino.
“Eu não teria nenhum problema, mas o amigo com quem eu moro leva a coisa da rivalidade um pouco mais a sério”, explica ele, que mora no bairro Santa Efigênia. Fora isso, os métodos de verificação de identidade do Airbnb bastam e quem aparecer primeiro garante a vaga. Até agora, já acertaram com três hóspedes, que ficarão no “quartinho de bagunça”, que foi ajeitado recentemente para receber visitas com mais conforto. 
 
Dois deles vêm basicamente ver os jogos, então, devem receber um “pacote mais básico”: cerveja e bate-papo no momento da chegada, café da manhã, roupa de cama e banho, liberdade para usar outras dependências e orientações gerais sobre a cidade. “O outro vai ficar uma semana. A esse eu imagino que vou ter que dar um apoio maior, levar pra fazer turismo, ir a um boteco, conhecer Inhotim, esse tipo de coisa”, pondera. Todos eles vão pagar o mesmo valor de R$ 140 por noite.
 
O dinheiro, que será revertido para despesas da casa, está em segundo plano para André, que também colocou o quarto à disposição no CouchSurfing, um sistema similar ao Airbnb, mas que não envolve pagamento. “No início do mês que vem, vamos receber mãe e filha que vêm do Rio Grande do Sul para o show da Avril Lavigne. Como elas nos acharam pelo CouchSurfing, não vamos cobrar nada, nem de outros que chegarem por lá. O dinheiro dá uma força, mas faço pelo gosto de receber as pessoas”, diz.
 
BH Turística
Só entre os voos internacionais diretos à capital – sem contar os que chegarão por outras cidades –, houve um aumento nas reservas de 338% em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com uma pesquisa da empresa espanhola Forward Data, junto com a Pires & Associados no Brasil, concluída três meses antes do início dos jogos.
 
No Airbnb, os preços de apartamentos inteiros, por mês, variam entre cerca de R$ 10 mil e R$ 100 mil. Diárias de quartos oscilam de R$ 100 a R$ 1500. A profissional de marketing inglesa Suthe Yogalingam, 23, vai pagar R$ 1000 por dia, num apartamento inteiro no bairro Ouro Preto. “Vamos eu e mais cinco amigos. Nós fomos avisados de que os preços no Brasil durante a Copa estariam quatro vezes mais caros, mas vindo de Londres, o que nos está sendo cobrado pareceu bem razoável (cerca de 40 libras por dia, pra cada), um hotel teria sido bem mais caro. Além disso, uma casa tem muito mais personalidade”, diz. “Nós também vamos ficar no Rio de Janeiro e em São Paulo, e Belo Horizonte foi onde encontramos o melhor custo-benefício”.
 
Sede ideal
Mesmo apaixonada por futebol desde pequena, essa será sua primeira Copa do Mundo. Para ela, é o evento esportivo mais empolgante e o Brasil é a sede ideal. “As Copas da Rússia, em 2018, e do Catar, em 2022, não têm metade do apelo, pra mim”, explica. A anfitriã de Suthe irá encontrá-la para entregar as chaves e indicar os melhores lugares para visitar. “Nós estamos esperando uma atmosfera incrível, já que Belo Horizonte é reconhecida por seu amor pelo futebol”, diz.
 
OFERTA E PROCURA TEM SIDO GRANDES
Só em Belo Horizonte, cerca de 2.600 acordos de hospedagem já foram fechados
 
Há cerca de um ano eram 36. Hoje são quase mil anúncios de imóveis em Belo Horizonte que estão disponíveis para hospedagem no site Airbnb, uma plataforma online onde os hóspedes podem reservar espaços de anfitriões, conectando pessoas que tenham um local disponível com outras que estão procurando um lugar para ficar. Só para o período da Copa (entre 12 de junho e 13 de julho), segundo o Airbnb, já são 2.600 acordos de hospedagem fechados em imóveis da cidade, o que indica que não só a oferta, mas a procura também é grande.
 
Apesar de ser uma prática já estabelecida no exterior e que vem se fortalecendo agora no país, a hospedagem caseira de turistas ainda é considerada por muitos “uma loucura”, segundo integrantes do grupo de anfitriões de BH do Airbnb. A administradora de lojas Renata Yanni, 37, que modera o grupo, discorda. “Eu acho justamente o contrário, é mais gente pra dar vida ao ambiente, gosto de pensar que posso ter o mundo dentro da minha casa”, explica. “Uma vez recebi um grupo de romenos por alguns dias e aprendi muito mais do que em qualquer aula de geografia”.
 
Renata tem oferecido sua casa, no bairro Prado, a visitantes da capital há cerca de um ano e vêm entre três e quatro levas de hóspedes por mês. “Nossa cidade parece não receber muitos turistas, mas tem sempre muita gente vindo participar de congressos, casamentos, formaturas. Recentemente, houve muita procura por causa do Minas Trend Preview e de um encontro de evangélicos, por exemplo”.
 
Ela anuncia tanto o quarto quanto a casa inteira, mas diz que a procura tem sido maior pela segunda opção e que é meio a meio o número de estrangeiros e brasileiros. Para a Copa, Renata e os demais integrantes do grupo fecharam pacotes com diárias médias de US$ 600 para imóveis inteiros. O dinheiro que recebe tem se tornado uma parte cada vez mais importante de sua receita e, com a ajuda de seu marido, que é arquiteto, tem realizado pequenas melhorias para receber seus hóspedes com conforto. “Fizemos alguns reparos na parte hidráulica, pintura, dividimos a casa em duas e estamos terminando um loft para mais um anúncio”, diz. 
 
Uma coisa que Renata sempre faz questão de deixar para seus hóspedes é a geladeira cheia. “Também deixo coisas típicas, brindes brasileiros. Para a Copa, vou deixar também pares de Havaianas pros estrangeiros”, conta. Nos comunicamos o tempo inteiro pelo telefone. O Whatsapp é como se fosse o contato com a recepção do hotel”.
 
Verificação
Renata explica que o máximo de contratempo que já teve foi um grupo que devolveu a casa muito bagunçada, mas que, em geral, quando a pessoa é aprovada pelas verificações do site e tem boas recomendações dos demais usuários, não tem erro. O processo verificação da idoneidade dos participantes do Airbnb é feito em duas etapas: online, através da conexão de seus perfis em outras plataformas como Google e Facebook; e offline, via digitalização do documento de identificação oficial vigente em cada país. Além disso, os usuários expõem no site uma análise com comentários a respeito do hóspede/anfitrião, que pode ser verificada por outros usuários.
 
Sem isso, é melhor não fechar o negócio, como fez uma funcionária pública de 43 que preferiu não se identificar. Ela foi procurada por um estrangeiro que a encontrou pelo Airbnb, mas queria fechar o negócio “por fora”. “Ele quis me pagar de outra forma, porque não tinha conseguido passar na verificação. Então eu disse que sem isso – que é algo muito simples para quem está com tudo em dia, na verdade – não seria possível entrarmos num acordo”, lembra. 
 
Evite os contratempos
A conexão entre hóspede e anfitrião tem potencial para ser tão forte e estabelecida tão rapidamente que administradora Renata Yanni já chegou a deixar seu cachorro sob a tutela de uma de suas hóspedes. “Nós conversamos tanto antes que me senti à vontade para isso. E acabamos nos tornando amigas”, conta ela. 
 
Especialistas do ramo imobiliário, no entanto, alertam que somente a verificação do site e as boas referências podem não ser suficientes para deixar o anfitrião 100% resguardado. Cássia Ximenes, vice-presidente da Câmara de Mercado Imobiliário e Sindicato das Empresas do Mercado Imobiliário de Minas Gerais (CMI/Secovi-MG) sugere que seja feita uma vistoria, com listagem de tudo o que há no imóvel e o estado em que se encontra para que o inquilino temporário possa deixar tudo nas mesmas condições que encontrou. 
 
“É sempre aconselhável que se faça um depósito de segurança, ou um pagamento adiantado pra ter essa segurança de que não haverá danos no imóvel e no mobiliário disponível”, acrescenta ela.
Sobre quem já aluga o imóvel e pretende sublocar, Cássia explica que é preciso seguir o que estiver descrito no contrato. “Normalmente, é preciso também comunicar aos donos o que está sendo feito. No caso de ser um apartamento, a convenção de condomínio também precisa ser consultada”, pondera. E se o prédio tiver porteiros, convém comunicá-los.
 
Quando qualquer colchão na sala serve
Nem todo mundo que se propôs a ser anfitrião durante a Copa vai querer envolver dinheiro na relação. É esse o caso do artista Rafael Perpétuo, 30, que anunciou sua disponibilidade somente no site couchsurfing.com, plataforma em que as pessoas oferecem “um sofá” para os viajantes, sem pedir nada em troca.
 
“Não penso muito em fazer um anúncio formal de aluguel porque isso levaria a algumas outras questões burocráticas com as quais eu não estou disposto a lidar”, explica. “É uma coisa meio mineira mesmo, de gostar de receber”. Nesse caso, também existe uma flexibilidade maior para os anfitriões já que hóspedes, autoproclamados “surfadores de sofá”, se contentam com qualquer cantinho. A infra-estrutura necessária é menor e qualquer colchão na sala, em princípio, atende o viajante. 
 
No CouchSurfing, há cerca de 150 pedidos para Belo Horizonte até 13 de julho, último dia da Copa. O dentista argentino Lukas Gonsalez, 30, é um deles e vai passar dez dias na cidade. “Eu quero conhecer Belo Horizonte, desfrutar da Copa e ofereço em troca hospedagem na minha cidade, Córdoba”, diz. 
 
Passo a passo para encontrar hóspedes via AIRBNB
 
Acesse www.airbnb.com.br
 
Cadastre-se Basta usar uma conta de e-mail ou seu perfil no Facebook
 
Crie o anúncio Clique no botão amarelo que fica no canto superior direito de qualquer página do site e preencha os detalhes iniciais: se é casa, apartamento ou pousada, se é o imóvel inteiro ou um quarto etc. O seu anúncio só será criado após todas as etapas serem concluídas.
 
Calendário Determine a sua disponibilidade de datas. 
 
Preço Estabeleça o preço que irá cobrar. Para ter uma ideia do que você pode cobrar, procure por anúncios semelhantes no seu bairro.
 
Descrição Liste com clareza tudo o que pretende oferecer tomando bastante cuidado com a ortografia.
 
Fotos A boa qualidade das fotografias deve ser uma de suas maiores preocupações porque é por meio delas que os hóspedes em potencial vão descobrir se têm interesse por sua acomodação. Quanto mais fotos, melhor!
 
Profissional O próprio Airbnb está oferecendo, por tempo limitado, um serviço de fotografia profissional para a maioria dos lugares, garantindo a qualidade das imagens.
 
Perfil Preencha muitos dados sobre você, envie um retrato que mostre sua personalidade. Dê detalhes sobre você!
 
Comunique-se Por meio dos requisitos de reserva, você seleciona possíveis hóspedes antes do primeiro contato (ex. não pode não ter foto). Uma vez estabelecido o contato, troque mensagens até que todas as dúvidas sejam sanadas.
 
Pagamento Todas as transações são feitas pelo site, que realiza as cobranças via cartão de crédito ou conta bancária, nunca envolvendo dinheiro vivo. Depois de fechado o negócio, um valor entre 3% e 8% da diária é revertido para o site. 
 

 

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