Incomodada com a necessidade de responder aos chamados ora da mãe, ora do irmão, ora do papagaio, ora do cachorro, Laura Moreira Laignier Oliveira, 28, chegou à uma inequívoca constatação: “não dá pra estudar nessa casa”. Formada em direito e concurseira assumida, ela resolveu, então, trazer para Belo Horizonte um empreendimento do qual teve notícias de que já fazia sucesso no Nordeste e que começa a se consolidar na capital. “Parecia que o pessoal, só por estar em casa, achava que eu estava por conta. Então, resolvi investir em cabines de estudo individuais, climatizadas, com escaninho reservados e internet para onde as pessoas pudessem ir e se concentrar verdadeiramente. É ideal para quem precisa estudar com tranquilidade e sem tantas distrações”, comenta a proprietária da “Salinha”, instalada no bairro Funcionários no último dia 29 de janeiro.

No mesmo bairro da região Centro-Sul da cidade, já tinha sido inaugurada uma iniciativa similar. A chamada “Sala de Estudo” foi o primeiro estabelecimento do tipo a operar em Belo Horizonte. “Existe uma profissionalização do estudo. As pessoas estão considerando estudar um trabalho como qualquer outro, com hora para chegar e sair. Acredito que isso esteja acontecendo porque as pessoas têm enxergado os concursos públicos como alternativa para melhorar a situação financeira e a qualidade de vida”, destaca Ana Carolina Calzavara de Carvalho, 27, advogada concurseira e proprietária da sala, em parceria com a arquiteta Lorena de Barros Fraga.

Essa “profissionalização do ensino” a que ela se refere faz sentido em um início de um ano em que, segundo o site Concursos no Brasil, há mais de 47 mil vagas abertas em todo o país. Mas, além dos concursos públicos, é bom lembrar que agora, passado o Carnaval, os estudantes, enfim, voltam às salas de aula para o início efetivo do ano letivo. Sem contar outras provas que muitos enfrentarão no decorrer de 2016, como Enem, prova de legislação para tirar carteira, para mudar de algum cargo em empresas, para conseguir um intercâmbio em outro país...

Ferramentas

Para o especialista em psicopedagogia e mestrando em gestão do conhecimento, Geisse Martins, estudar, como um trabalho, exige comprometimento. “Não basta saber o conteúdo, mas também saber utilizar as ferramentas que estão disponíveis ao nosso redor para aprender bem e de fato”, comenta ele, que, em parceria com os professores Melquíades dos Santos Filho e Mário Lúcio de Oliveira, idealizou o projeto “Estudar”, iniciativa que apresenta métodos de estudo para alunos e docentes de Minas Gerais. Para Martins, o ambiente a receber o estudante durante horas é tão importante quantos as disciplinas e as estratégias que serão empregadas para absorvê-las.

No “Guia Prático: Como Estudar”, lançado pelo projeto no ano passado e já com segunda edição sendo preparada para o fim deste primeiro semestre, a introdução é dedicada em sua maioria à preparação do espaço. Conselhos como “escolha um lugar limpo, arejado, iluminado, organizado, sem televisão, aparelho de som, animais de estimação e que conte pelo menos com uma mesa e uma cadeira” até parecem demasiadamente básicos, não fosse o ímpeto (ou mania) de algumas pessoas em tapear a si mesmas.

“Tem gente que diz que vai estudar na cama, acredita? Passam-se cinco minutos, ela está lá roncando. Por isso que a gente martela e martela nessas dicas aparentemente simples. Preparar sua mesa e deixar a postos somente aquilo que você vai precisar, como caderno, lápis, borracha e livro, é básico, mas, sem perceber, a gente acaba arrumando jeito de se distrair”, adverte. Para conseguir driblar essa situação, conforme Martins, eleger um lugar fixo para abrir os livros é importantíssimo. Isso ajuda a indicar ao cérebro do estudante que, naquele momento em que ele adentra o espaço, inicia-se o expediente de estudo.

Lista de espera

Ao que parece, esta atenção ao espaço tem sido preocupação de muitos. Afinal, só no primeiro dia de funcionamento, a “Salinha”, empresa de Laura Moreira e do sócio Luiz Flávio Romero Cruz, já contava com cinco estudantes cadastrados e ávidos por colocar a matéria em dia. Eram concurseiros, vestibulandos e candidatos ao exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Agora, com as 35 cabines ocupadas, a “Sala de Estudo” possui uma lista de espera com cerca de 20 pessoas a pouco mais de três meses de funcionamento. Uma terceira sala, a Origgem Centro de Estudos, também já funciona desde o dia 29 de janeiro no centro.

Os espaços oferecem adendos semelhantes, tais como espaço para descanso, cozinha com micro-ondas e geladeira, chá e café disponíveis e escaninhos para que os usuários possam deixar seus materiais. Para Ana Carolina, o que justifica a intensa procura para as “Sala de Estudo” é uma tendência a perceber o ato de estudar, de fato, como profissão.

Como fazer?

 

Quem vê o “Vade Mecum” (compêndio de obras básicas das ciências jurídicas) de Filipe Cordeiro Kinsky, 24, todo marcado com post-it’s verde limão, nem imagina o quanto ele já deu trabalho no colegial. Recém-graduado em direito e aprovado em dois concursos para analista do judiciário em Minas e no Rio Grande do Sul, o jovem foi reprovado três vezes durante o ensino médio e considera que tenha sido um pouco desleixado nos primeiros períodos da faculdade.
 
Diferente do que grande parte dos professores e dos pais consideraria um bom aluno, Filipe só foi conseguir êxitos acadêmicos e profissionais quando resolveu que queria ser, de fato, um bom <FI10>estudante</FI>. “Ler e pesquisar sobre como estudar abriu minha cabeça para um mundo novo. Passei a levar os estudos como uma profissão mesmo, com rotina, obrigações e estratégias para ativar minhas habilidades. Hoje entendo que saber como estudar faz parte do aprendizado”, destaca ele, que parece não ser o único a pensar assim. Cada vez mais surgem no mercado materiais, cursos e especializações voltados para o ensino de métodos de estudo.
 
Afinal, de acordo com a pesquisa “Alunos de Baixo Desempenho: Por Que Ficam para Trás e como Ajudá-los?”, divulgada na última quarta (10) pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), níveis considerados ruins nas disciplinas leitura, ciências e matemática – nesta última, o Brasil ficou em 58º num universo de 65 países e territórios – indica que os alunos podem ter dificuldades na escola, mais tarde no mercado de trabalho, e poderão não ascender socialmente. 
 
Em um mundo conectado, onde o conhecimento não está mais centralizado apenas na figura do professor, aprender a caminhar sozinho e empregar com eficiência as múltiplas ferramentas disponíveis ao aprendizado, inclusive tecnológicas, se torna um imperativo para quem precisa encarar provas, testes, exames…
 
Dividir as disciplinas em ciclos com hora marcada, além de fazer resumos como se estivesse explicando para si mesmo, foram dicas que casaram bem na rotina de Filipe, agora focado nos concursos para o magistrado. Mas, só uma breve busca em plataformas como Google ou no YouTube desvela uma série de sites, blogs e canais com outras variadas e criativas formas de se estimular a memória, de sistematizar e de relacionar conteúdos, de preparar o ambiente, de planejar as metas. O importante é saber o que melhor se adequada seja qual for o estilo de vida ou os objetivos.
 
Mapas
Uma das estratégias que têm ganhado mais adeptos por sua forma diferente de organizar os conteúdos e por incluir no aprendizado as referências trazidas pela própria trajetória do estudante, presente inclusive no guia prático do projeto “Estudar”, criado pelos professores Geisse Martins, Melquíades Santos e Mário Lúcio, são os mapas mentais.
 
Áurea Bartoli, do Instituto A+ de Brasília, aliás, considera os mapas o “pulo do gato” no quesito métodos de estudo. “Hoje já existe até aplicativo que ajuda na construção dos mapas, mas, basicamente, é o estudante quem cria. Logo, é feito a partir do entendimento dele para cada assunto. Com cores e desenhos, a estratégia deixa o cérebro feliz, o que é muito importante para motivá-lo. Já trabalhamos com mapas mentais para crianças do maternal até com médicos em véspera de prova de residência”, conta Áurea, para quem o formato de árvore com vários galhos com o qual os mapas trabalham permitem uma visão sistêmica e menos chapada do que se estuda. Além de mexer com a imaginação e deixar o cérebro mais “feliz”, aspecto importantíssimo para motivá-lo, completa a professora.
 
Era algo assim – lúdico e imagético – que o estudante de medicina Guilherme Almeida, 23, buscava, pois, ao contrário de Filipe Kinsky, nunca engoliu bem os resumos. Prestes a tentar a residência para oftalmologia, ele descobriu que se dá melhor com a memória visual.
O achado se deu após um teste de neuropsicologia voltado para estudantes e, desde então, tem sentido que suas tardes de estudo se tornaram mais eficientes.
 
“Tudo agora eu tento associar com alguma imagem. Estudando manobras na distocia de ombros (matéria relacionada a complicações que podem ocorrer durante partos normais), por exemplo, que tem nomes como McRoberts, Rubin I, Rubin II, inventei uma frase envolvendo Fórmula 1 onde a McLaren me lembrava McRoberts e o Rubinho, os Rubin. Só de pensar no rosto deles, me vem à mente os nomes da medicina. Parece viagem, mas nunca esqueci”, se diverte o estudante. 
 
Ativos
Para Fábio Mendes, professor no Instituto Federal Sul-Rio-Grandense (IFSul-RS), autor de cinco livros sobre a forma de estudar, dentre eles o “Vestibular e Enem 100%” e do método das “4 etapas” (1. Leitura Panorâmica, 2. Marcação e sublinhado, 3. Anotações e 4. Exercícios), o que todas essas discussões sobre métodos e ambientes de estudo dão a ver é a necessidade de se olhar primeiro para o papel do estudante.
 
“Autonomia é a capacidade de tomar decisões e aprender a estudar é isso. É conhecer as ferramentas para que possamos agir no mundo ativamente, não de forma passiva. É isso que temos que aprender”, diz Mendes.