Reportagem

Por uma  BH + legal 

Economia criativa - Iniciativas geram não só emprego e renda, mas desenvolvimento e bem-estar

Por Jessica Almeida
Publicado em 30 de maio de 2015 | 03:00
 
 
 
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Perestroika, em russo, significa reestruturação. O termo foi usado para nomear uma das medidas políticas implementadas em 1985 pelo então líder da União Soviética, Mikhail Gorbachev, cujo objetivo era reorganizar a economia da URSS. Perestroika é também o nome de uma escola brasileira de cursos livres e atividades criativas. Presente em Belo Horizonte desde o ano passado, ela integra um movimento que, nos últimos anos, vem se fortalecendo cada vez mais na cidade: o fomento à chamada economia criativa, por meio de uma série de cursos, encontros e atividades.

O conceito, que ganhou expressão e relevância a partir dos anos 2000, refere-se ao conjunto de atividades econômicas cujos principais insumos são a criatividade e o conhecimento, ou seja, dependem primordialmente de conteúdo simbólico e não de recursos materiais. Seu crescimento, de acordo com a Unesco, além de gerar emprego e renda, contribui com o bem-estar geral das comunidades, estimula a autoestima individual e a qualidade de vida, o que resulta em um desenvolvimento sustentável e inclusivo.

É por isso que, ao menos na raiz dos projetos, a Perestroika russa e a brasileira são semelhantes. Com a proposta de “fazer do mundo um lugar mais criativo, sensível, subversivo e do bem, por meio da educação”, a escola propõe uma reestruturação não só no modo com que as pessoas fazem negócios, mas na forma como se relacionam com o mundo.

Seus cursos são divididos em três linhas: criatividade e inovação; empreendedorismo e gestão; e “para a vida” e inspiração. Todos têm metodologia baseada na experiência e o intuito de tirar as pessoas de suas zonas de conforto. “Tem um monte de coisa errada por aí e a gente tem que questionar pra mudar. Quanto mais formos vetor de mudança, mais as coisas vão acontecer e acreditamos que a criatividade está no cerne disso, porque um de seus fundamentos é entender o problema. Quanto melhor o entendermos, melhor vai ser a solução”, explica Dudu Obregon, 25.

Ele, que é diretor de “whatever” da Perestroika, já demonstra na forma como se identifica a diferença no posicionamento da empresa. O uso da expressão em inglês, que significa “qualquer coisa”, é para deixar claro que ele está envolvido com todos os seus âmbitos. “Diretor é postura, é aquela pessoa que, se o bicho pegar, vai dar um jeito. E whatever é estar pronto pro que der e vier. Ninguém se restringe aos recursos humanos, o financeiro ou qualquer outro setor. Todo mundo na Perestroika é diretor de whatever”, explica.

Celeiro

A indústria criativa brasileira gerou um Produto Interno Bruto (PIB) equivalente a R$ 126 bilhões no ano de 2013, segundo o Mapeamento da Indústria Criativa, publicado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), no fim de 2014. De acordo com o estudo, 892,5 mil profissionais formais compõem esse mercado que, na análise, engloba as áreas do consumo, da cultura, das mídias e da tecnologia. Desse total, 78 mil estão em Minas Gerais e cerca de 33 mil em Belo Horizonte.

Os números são expressivos, mas o potencial mineiro é ainda maior. É nisso que acredita o publicitário Leandro Alvarenga, 28. “BH atualmente já é um polo criativo no Brasil. Temos iniciativas aqui extremamente relevantes, como o Grupo Corpo, o Galpão, Inhotim e o Núcleo de Design da Fiat, citando só alguns exemplos. Mas as pessoas envolvidas com esse universo muitas vezes não se conhecem e o restante do país ainda não olha pra cá como um celeiro criativo”, comenta.

Foi por conta disso que, em 2013, ele se juntou aos também publicitários Diego Rezende e Pedro Raslan para trazer para Belo Horizonte o CreativeMornings. Nascido em Nova York, em 2008, o evento se espalhou por 115 cidades ao redor do mundo. Sua proposta é simples: um café da manhã e uma curta palestra matinal, ambos gratuitos e abertos para qualquer interessado. “Pra que uma determinada área da economia possa florescer, ela precisa de gente se conhecendo”, justifica Leandro.

Em 20 edições, já trouxeram palestrantes com os mais diversos repertórios, para falar sobre temas completamente diferentes. De mobilidade urbana a humildade, passando por robótica, design, tendências, inovação e outros assuntos.

Em moldes similares, teve início, mês passado, o Cool Nights. Promovido pelo laboratório de conteúdo criativo CoolHow, é um “bate-papo + happy hour” mensal, que traz sempre um empreendedor local inspirador para contar sua história. Também gratuita e aberta ao público, a iniciativa faz parte de um conjunto de ações que pretende “transformar BH na cidade mais ‘cool’ do Brasil”, o Beagá Cool.

“Cool vem de legal, mas também é uma sigla para criativo, original, ousado e local”, explica Tiago Belotte, 29, diretor do CoolHow. “Nós temos novos negócios muito ousados e com conceitos totalmente inovadores. E, além disso, temos características tradicionais que, misturadas com criatividade e ousadia, também podem dar origem a coisas novas”.

Nascido há quatro anos, o CoolHow tem o conhecimento em seu cerne e o intuito de promover o pensamento inovador e a inspiração. Além do Beagá Cool, promove cursos e experiências de aprendizado e já trouxe para a capital eventos internacionais como o ciclo de conferências TEDx e o desafio de soluções sustentáveis Global Sustainability Jam.

Cidades criativas

O contexto urbano é o principal meio para o desenvolvimento da economia criativa porque depende da aglomeração tanto do capital quanto das pessoas. “Para as ideias fluírem, elas têm que circular e o meio urbano tem essa característica. Por outro lado, os próprios problemas urbanos como desemprego ou degradação do espaço público podem ser resolvidos por meio de estratégias da economia criativa”, explica a mestre em ciências econômicas pela UFMG e pesquisadora da área da economia criativa Bárbara Paglioto.

É por isso que, segundo ela, várias cidades do mundo têm adotado essas estratégias, que ajudam na construção de uma imagem positiva e no aumento do potencial turístico, por exemplo. No entanto, ela atenta para o fato de que elas também podem estimular o fenômeno da gentrificação, que é quando as camadas mais pobres são removidas de determinados espaços, em decorrência de sua valorização. “O discurso da economia criativa – que é muito mais um discurso do que uma coisa palpável – pode acabar valorizando só os pontos positivos e esconder um pouco o que está por trás disso”, comenta a pesquisadora.

Habilidade é exercitável

Tanto as propostas do CoolHow, quanto as da Perestroika e o CreativeMornings partilham da ideia de que criatividade é algo que se aprende e, mais do que isso, se exercita. “Nós acreditamos que as pessoas que não são criativas, na verdade, estão é enferrujadas”, comenta Tiago Belotte, diretor do laboratório de conteúdo criativo.

Cláudio Scianni, representante em Belo Horizonte da Lego Education – metodologia que associa robótica com os brinquedos de montar para promover uma nova forma de aprendizado – concorda. “Nós nascemos com a criatividade e, lamentavelmente, aprendemos a matá-la, por conta de convenções sociais ou para não sermos vistos como inadequados. Óbvio que, para vivermos em sociedade, precisamos respeitar certos parâmetros, mas não podemos deixar que isso nos limite a pensar cada vez mais aberto”, comenta.

O empresário, que foi o palestrante da 20ª edição do CreativeMornings, realizada na última quarta-feira, defende que propostas como essa sejam cada vez mais difundidas. “É isso que faz com que a gente de fato exerça a cidadania. As pessoas precisam de conhecimento, de se relacionar mais e de enxergar mais a realidade do outro e tudo isso acontece nesse tipo de evento. As pessoas ainda estão presas num modelo de educação, de sociedade, que é muito travado. E é ele que limita nossas possibilidades de crescimento”, diz.

Participante frequente do evento, a diretora de arte Catharina Bentos, 28, diz sair mais inspirada de cada edição a que vai. “No dia a dia do trabalho a gente fica repetindo mais ou menos as mesmas coisas, seguindo o mesmo caminho. Quando venho às palestras, vejo alguém fazendo algo completamente diferente do que eu faço, geralmente com viés empreendedor, e isso me faz repensar minha posição no mercado de trabalho e o que posso fazer para melhorar”, afirma.

Gerir é preciso

Mas nem só de criatividade vive a economia criativa. É por isso que, em janeiro de 2014, foi inaugurada no Circuito Cultural Praça da Liberdade a Casa da Economia Criativa, uma parceria entre o Sebrae-MG e o governo de Minas, que tem o propósito de tornar os empreendedores da economia criativa mais próximos do linguajar e das dinâmicas empresariais, por meio de cursos, palestras, oficinas e outros serviços de orientação e capacitação.

“Muitas vezes, acontece de grupos de teatro se desfazerem, músicos não conseguirem alcançar seu público, designers desistirem de trabalhar em suas áreas, porque não é só a criatividade que leva o empreendimento pra frente”, analisa Regina Vieira, coordenadora de economia criativa do Sebrae. “Nossa missão é mostrar para essas pessoas que é possível ter uma relação mais amigável com o mercado”.

Se os criativos ficarem atentos a isso, acredita Regina, as possibilidades em Belo Horizonte tendem a se multiplicar. “Belo Horizonte produz manifestações espontâneas muito legais, que não dependem de políticas públicas, como o Duelo de MCs, a Praia da Estação e outros movimentos que só tendem a crescer. Tem uma juventude cada vez mais na rua, nos espaços culturais, fazendo piqueniques nas praças, ou seja, se aproximando de um sentido de liberdade na cidade”.

Quando isso acontece, segundo Regina, e que a liberdade dá lugar à insegurança, as pessoas passam a conviver bem e ser felizes no lugar em que vivem. E o bom desempenho da economia criativa é agente disso. “Melhora a estética da cidade, a saúde, a política e, inevitavelmente, o dinheiro circula e surgem mais oportunidades para as pessoas”, conclui.

Criative-se!

CreativeMornings O café da manhã seguido de palestra é realizado mensalmente, a partir das 8h30, no MM Gerdau - Museu das Minas e do Metal (praça da Liberdade, s/nº, prédio rosa). Acompanhe a programação das próximas edições e se inscreva para participar, gratuitamente, na página facebook.com/CreativeMorningsBH. Assista a edições anteriores em creativemornings.com/cities/bh

Perestroika A unidade belo-horizontina da escola tem cursos de moda, ilustração, comportamento, tendências da educação, gestão e liderança, futurismo e processos criativos. Saiba mais no site www.perestroika.com.br

Acompanhe também as atividades na Alfaiataria – espaço que mistura galeria de arte, coworking, bar, loja, estúdio de tatuagem e outras propostas, em www.alfaiataria.cc. Ou vá até lá: r. Santa Rita Durão, 153, Funcionários. Mas vá depressa porque em junho ela se desafaz

CoolHow Conheça os cursos que o laboratório de conteúdo oferece no site www.coolhow.com.br. Acompanhe a programação do Cool Nights, que acontece sempre no Galpão Benfeitoria (r. Sapucaí, 153, Floresta) e, no mês que vem, traz cervejeiro Paulo Patrus, na página facebook.com/beaga.cool. A partir de junho, o CoolHow começa também o projeto de bate-papo com vários convidados Linkers, também no MM Gerdau

Criatividade também em negócios tradicionais

Assim como criatividade se aprende, ela pode ser aplicada a qualquer tipo de empreendimento, inclusive os (aparentemente) tradicionais, como uma sorveteria. Designer de formação, Carlos Sia, 34, tornou-se sorveteiro, mas não abandonou seu passado. Muito pelo contrário. “A criatividade está desde o começo do sorvete, da produção, até a loja e a maneira como pensamos o futuro”, explica o empreendedor, que foi o primeiro convidado do Cool Nights, no mês passado.

Além dos sabores convencionais, ele trabalha com o que chama de “inspirações”, todas desenvolvidas com base em pesquisa gastronômica. Já fez, por exemplo, uma linha de memórias da infância, com sabores como palha italiana, beijinho e pavê da vovó. “Esse último, era minha sobremesa preferida quando eu era criança e acabou sendo o que fez mais sucesso. Não acho que foi por acaso, quando trabalhamos com a criatividade, a paixão que envolvemos chega até o cliente, ele é afetado pelo nosso afeto”, afirma.
 
Carlos foi o escolhido para abrir a programação do Cool Nights também por conta do “jeitinho mineiro” como acabou encontrando seu negócio. “Ele uniu o design à possibilidade de usar um recurso presente na família dele – o creme de leite fresco produzido na fazenda do seu pai – e a algo que ele gosta, que é o sorvete”, comenta Tiago Belotte, diretor do CoolHow, que promove o evento. “Ele abriu a loja na garagem dos pais, a fábrica no seu antigo quarto, com todo um envolvimento familiar. E hoje já ampliou, é um modelo de sucesso”. 

 

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