Sam Martin examinava artigos em uma loja de discos de Boston (EUA), 23 anos atrás, quando um livro incomum de fotografias chamou sua atenção. Folheou as páginas que exibiam fotos e entrevistas com mulheres que haviam se tornado homens e começou a chorar.
“Eu pensei, ‘Oh, meu Deus, não sou o único’. Na minha infância e adolescência, nunca havia visto pessoas como eu em filmes ou livros”, disse Martin, 43, que começou a fazer a transição de mulher para homem depois que comprou o livro.
Martin está agora em uma missão para mudar isso. Ele pertence a um pequeno grupo de autores emergentes que escrevem literatura infantil centrada em personagens transgêneros, na esperança de preencher a lacuna que percebiam quando eram jovens leitores. Seu trabalho de estreia – uma história semiautobiográfica sobre um adolescente transgênero que se apaixona por um rapaz mais velho em Cape Cod – será lançado em uma coleção pela Duet, uma nova editora para jovens adultos especializada em ficção para lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros.
“Meu objetivo foi escrever histórias que teriam me ajudado a me sentir menos sozinho nessa idade”, disse Martin, que trabalha como barista em um Starbucks em Washington e escreve à noite.
Há alguns anos, a fluidez do gênero raramente era abordada na ficção para crianças e jovens. Continuou sendo um dos últimos tabus em uma categoria de publicação que já abordou questões difíceis, como suicídio, abuso de drogas, estupro e tráfico sexual. Mas a literatura infantil está alcançando aspectos culturais mais amplos, agora que o estereótipo de transgêneros dá lugar a caracterizações mais suaves e simpáticas em programas de TV como “Orange Is the New Black” (Netflix) e “Transparent” (Amazon).
Recentemente, a transformação amplamente divulgada do astro de reality show e antigo atleta olímpico Bruce Jenner em Caitlyn Jenner – revelada ao mundo através de uma foto fascinante na capa da “Vanity Fair” – trouxe ainda mais visibilidade ao movimento de igualdade dos transgêneros.
Vários escritores e editoras começaram a abordar o assunto, não apenas com livros de memórias e guias de autoajuda adaptados para a juventude transgênero, mas através de obras destinadas a um público mais amplo. Este ano, editoras infantis estão lançando cerca de meia dúzia de livros de vários gêneros, incluindo ficção científica e romances para jovens adultos, cujos personagens principais são crianças e adolescentes transgêneros. “Na nossa cultura, esse aspecto estava de fato na sombra, mas de repente as pessoas começaram a falar sobre isso. Conforme começamos a reconhecer o transgênero e perceber que ele faz parte do tecido que forma a sociedade, a literatura reflete o fenômeno”, disse David Levithan, vice-presidente e editor da Scholastic Press.
Alguns dos escritores que exploram o tópico enfrentam críticas e ataques online como: “Não deveríamos doutrinar as crianças sobre ‘trans’”. Porém, escritores e editores têm sido implacáveis, dizendo que psicólogos infantis e grupos de defesa LGBT argumentam que os pequenos podem questionar sua identidade de gênero e que as famílias devem estar abertas para discutir o assunto. A próxima fronteira para quem escreve sobre o tema parece ser a literatura destinada aos pré-adolescentes, entre 8 e 12 anos de idade. Em novembro, a Disney Hyperion publicou “Gracefully Grayson”, um romance para leitores de 10 anos ou mais sobre um menino da sexta série que se sente uma menina.
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