Somente nas últimas semanas: o médico da seleção de ginástica dos Estados Unidos foi condenado por ter abusado sexualmente de 265 atletas ao longo de décadas; 33 jogadores e ex-jogadores de futebol se mobilizaram, por meio de uma campanha do Sindicato de Atletas de São Paulo, para fazer um alerta sobre assédio e abuso sexual de crianças e adolescentes em categorias de base; a Polícia Civil de São Paulo, numa operação de combate à pedofilia, prendeu 33 pessoas acusadas do crime, principalmente pelo armazenamento e distribuição de fotografias ou vídeos de crianças ou adolescentes em cenas de sexo explícito; e, ainda que na ficção, o personagem Vinícius (Flavio Tolezani) foi julgado e condenado por ter molestado a enteada Laura (Bella Piero), na novela “O Outro Lado do Paraíso”, do horário das 21h na TV Globo.
Possivelmente, em nenhum outro momento da história o abuso sexual na infância esteve em pauta como agora. Quando a discussão, igualmente importante e difícil, sobre uma questão latente como essa emerge, as dúvidas são inúmeras. E uma das mais urgentes é: como educar as crianças para a prevenção do abuso? Como muni-las de ferramentas para que estejam preparadas para identificar e relatar, caso um adulto as moleste de alguma forma?
A nadadora Joanna Maranhão, 30, que foi abusada por um treinador aos 9 anos, acredita que, em primeiro lugar, é muito importante que os espaços de conversa estejam sendo formados. “Ao falar sobre os casos de assédio e abuso em Hollywood, a atriz Meryl Streep disse ‘abrimos uma porta pra nunca mais fechar’, eu acho que é exatamente isso. É lógico que ainda estamos buscando a melhor forma de fazer isso, mas para mim a direção é a da verbalização e do enfrentamento. Ainda vamos encontrar muita coisa que vai fazer as pessoas ficarem chocadas, mas estamos trilhando o caminho”, diz. “Ainda que seja muito duro falar – e é – hoje eu entendo que a minha fala não é mais para a minha própria cura somente, é pra evitar que aconteça com outras pessoas”.
Mesmo sabendo que aquela pessoa em quem confiava havia feito algo errado, a atleta só entendeu a questão como abuso sexual anos mais tarde, na terapia. E foi justamente a falta de conversa que criou esse bloqueio. “Sexualidade na minha casa sempre foi um tabu muito grande e isso dificultava a abordagem do assunto, por uma questão cultural mesmo, meus pais receberam essa educação e passaram pra gente”, comenta. “Hoje compreendo, estudando friamente, dentro do que me é possível ser fria diante dessa situação, que o pedófilo observa isso na hora de escolher a vítima. Não vai na criança empoderada, dona do próprio corpo”.
Ferramentas
É justamente nesse âmbito que a arteterapeuta e educadora Catarina Maruaia, criadora do projeto Se Toque – Arte e Sexualidade, trabalha. “Na infância, é importante que se trabalhe a questão da mediação e a percepção da criança em relação ao próprio corpo, buscando entender seu desenvolvimento psicossexual para compreender, por exemplo, que a investigação do corpo não é um erotismo, uma precocidade, que é normal”, explica.
A educação sexual, ela argumenta, está diretamente ligada à questão da prevenção do abuso. “O ideal é que essa conversa exista desde sempre. É fundamental ajudar a criança a identificar e conseguir se expressar no que chamamos de prevenção primária. É importante falar das partes íntimas e ensinar que o que é íntimo é de cada um, demanda cuidado e só toca quem ela deixar”, ressalta.
É preciso, Catarina acrescenta, que a criança aprenda os nomes dos órgãos sexuais e que saiba que não deve se envergonhar deles. E também que tenha compreensão do que é íntimo, do que é público e o que é privado, que existem as regras familiares e as sociais. “Ela deve saber que corpo de menina é diferente de menino e que em alguns contextos a nudez é tolerável e em outros, não”, afirma. “São pequenas ações que ajudam a criança a conseguir se expressar diante de um adulto”.
Um ponto fundamental é estabelecer de forma clara as pessoas a quem ela pode recorrer caso algo aconteça, uma vez que segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2014, 24,1% dos agressores sexuais de crianças são os próprios pais ou padrastos e 32,2% são amigos ou conhecidos da vítima. “Às vezes não estamos seguros com quem a gente confia, então é importante trazer mais de uma pessoa em quem ela confie para se abrir e em ambientes diferentes: em casa, na escola, no posto de saúde etc.”, salienta Catarina.
Não ouvir quando a criança denuncia um ato abusivo pode ser mais traumático do que o ato em si, como explica o psicólogo e psicanalista Fabiano Siqueira, que trabalhou por 6 anos com casos de abuso sexual em crianças e adolescentes. “Se ela buscou alguém para falar, parte-se do princípio que é alguém em quem confia e se a pessoa desmente, não afiança a palavra dela, é muito traumático”, explica. “Os pais precisam acolher o relato como verdadeiro. Pode ser que não seja, mas é preciso que eles acolham para averiguar”.
O youtube disponibiliza vários vídeos educativos para que os pais assistam juntamente com os filhos. Veja alguns
O vídeo da ONG Visão Mundial traz a história de uma raposa que tenta convencer crianças a estarem a sós com ela – e as deixa com medo. Muito medo. A raposa está sempre a rondar a escola. O texto enfatiza a necessidade de saber dizer não. E de dividir com pessoas de confiança as abordagens suspeitas.
O vídeo, de cinco minutos, repassa, de maneira didática, mas contundente, algumas lições importantes, como a de saber dizer “não” a convites que soarem inusitados e bizarros – do tipo ver fotos de pessoas nuas no computador ou deixar alguém tocar suas partes íntimas.
Vídeo relata, de maneira clara e assertiva, situações nas quais o alerta vermelho deve se acender. E lembra que essas situações podem ocorrer até dentro de casa. Aconselha, ainda, que a criança pode ligar para o número 100. A produção é do Sistema Marista, junto a parceiros.
Instrumentos ajudam diálogo
Pais e responsáveis contam com material diverso que facilita a abordagem do assunto
Saiba mais
Anatomia É necessário que a criança entenda a anatomia de seu corpo e as diferenças entre os sexos, bem como as mudanças que seu corpo vai sofrer na passagem para o mundo adulto e o conceito de “partes íntimas”.
FOTO: ED. ALETRIA/DIVULGAÇÃO |
“Não me Toca, Seu Boboca” |
FOTO: ED. ESCRITA FINA/DIVULGAÇÃO |
"Antônio" |