Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) ajuda a entender por que um tipo de estimulação intracraniana contribui de fato para reduzir o apetite, a ingestão alimentar e o peso corporal apenas em parte dos pacientes. A neuromodulação cerebral não invasiva realizada por meio de uma técnica conhecida como estimulação transcraniana por corrente contínua (tDCS, na sigla em inglês) é uma das alternativas que vêm sendo testadas experimentalmente no tratamento da obesidade.
“O perfil genético do paciente – particularmente as variações em um gene conhecido – parece ser um fator determinante para o resultado”, contou Priscila Giacomo Fassini, primeira autora do artigo, à repórter Karina Toledo, da Agência Fapesp. Os resultados foram publicados na revista “Appetite”.
A estimulação transcraniana por corrente contínua é feita por dois eletrodos posicionados no couro cabeludo e ligados a um pequeno equipamento portátil, capaz de gerar uma corrente que altera a atividade elétrica cerebral da área de interesse. No caso da obesidade, o objetivo é modular a excitabilidade dos neurônios localizados no córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo.
“Usamos em nosso ensaio uma corrente de apenas dois miliamperes – tão baixa que nem é percebida pelos pacientes. Os membros do grupo placebo passavam pelos mesmos procedimentos, porém recebiam uma corrente não ativa”, contou a pesquisadora.
Partindo de uma base inicial com quase 9.000 voluntários, o grupo selecionou 38 mulheres, com idades entre 20 e 40 anos, para participar das quatro fases do ensaio clínico. Todas tinham Índice de Massa Corporal (IMC) entre 30 e 35, considerado como obesidade grau 1. Foram selecionadas apenas mulheres com o objetivo de reduzir a variabilidade de resultados e, assim, aumentar o poder do estudo.
O estudo teve quatro etapas no Brasil. Após concluir toda a coleta de dados aqui, Priscila seguiu, com apoio da Fapesp, para um estágio de pesquisa na Harvard Medical School, nos EUA. Sob a supervisão do professor Miguel Alonso-Alonso – um dos pioneiros nos estudos com tDCS em obesidade –, foi feita a análise dos resultados.
Os dados mostraram que as únicas participantes que apresentaram uma redução significativa do apetite ao longo do tempo foram as portadoras do alelo Met do gene COMT que receberam neuromodulação ativa. “Elas respondem melhor ao tratamento pela maior disponibilidade de dopamina, exibindo níveis mais baixos de fome, menor desejo de comer e menor consumo de alimentos ao longo do tempo”, disse Priscila.
Para a pesquisadora, porém, a descoberta mais notável do ensaio clínico foi o efeito paradoxal observado nas voluntárias que não tinham o alelo Met do gene COMT. Ou seja, nessas mulheres, a tDCS teve o efeito oposto ao esperado, aumentando a fome, o desejo de comer e o consumo alimentar na intervenção.