Especial

Com rede social, muda atuação de marqueteiros em campanha

Influentes no início da década, profissionais admitem tendência de candidatos mais ‘autorais’

Por Hermano Chiodi
Publicado em 29 de abril de 2024 | 07:00
 
 
 
normal

Os marqueteiros, profissionais de publicidade responsáveis por organizar as campanhas eleitorais dos candidatos brasileiros, viram surgir na última década uma onda de políticos que dispensa o conselho dos técnicos e prefere se guiar pelo próprio instinto na hora de decidir o que falar e como se comunicar com os eleitores. A mudança é um desafio de sobrevivência para uma categoria que já ocupou lugar de destaque na política nacional.

Os “pensadores” de campanha atingiram o auge de poder no início dos anos 2000, após a parceria vitoriosa entre o então candidato Lula (PT) e o publicitário Duda Mendonça, criador da frase “Lulinha paz e amor”, feita para representar a nova postura do candidato petista em relação ao mercado financeiro.

A influência dos marqueteiros na primeira década do século XXI era tanta que muitos nomes de referência no setor, como João Santana, marqueteiro de Dilma Rousseff em suas campanhas presidenciais, e Marcos Valério, publicitário que participou de campanhas do PSDB em Minas Gerais, acabaram tendo os nomes envolvidos em suspeitas de corrupção por causa do volume de recursos vinculados a eles. Mas, nos últimos 20 anos, a categoria viu uma aceleração tecnológica que criou novos cenários e dilemas para os profissionais do setor.

“As coisas se transformaram muito rapidamente. Estamos vivendo a política do espetáculo, a política do entretenimento. Uma política ‘pop’, que requer novas formas de se expressar”, destaca Cacá Moreno, CEO da agência Perfil 252, que já comandou diversas campanhas em Belo Horizonte. 

“Quanto mais influencer um político é, mais autorais serão seus conteúdos e seu posicionamento. Quase sempre, são eles que pensam o tema a ser abordado, com uma linguagem que costuma ser muito proprietária”, avalia o marqueteiro.

A vitória do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em 2018, que, junto com seus filhos e um grupo restrito de conselheiros pessoais, define os rumos de suas ações, serviu de modelo para seus apoiadores. Atualmente, quanto mais à direita no espectro político, maior a tendência de buscar caminhos próprios, avaliam os especialistas. 

Segundo o cientista político Adriano Cerqueira, esse foi o grupo que melhor soube aproveitar o crescimento das redes sociais e as mudanças tecnológicas para ganhar votos. “As redes sociais são muito reativas à capacidade de comunicação do próprio candidato e são poucos os políticos que sabem e conseguem fazer isso. O Bolsonaro (ex-presidente) é um deles”, diz Cerqueira. 

O analista destaca que, no início do século, o uso da propaganda eleitoral gratuita nos grandes veículos de comunicação era a ferramenta essencial nas campanhas e deu força aos marqueteiros, “mas hoje a realidade é outra”, admite.

Adequação no jurídico

Pensar uma campanha eleitoral, sobretudo no Brasil, é um desafio por causa das transformações tecnológicas aceleradas, mas sobretudo pela instabilidade nas regras, avalia o publicitário Juliano Sales, da Casablanca Comunicação.

“A área jurídica cada vez mais se torna um pilar forte nas campanhas. Sempre foi importante, mas, como a legislação se altera bastante, você acaba achando brechas na campanha do adversário que podem te favorecer de alguma forma, como ao tirar um material de comunicação do ar ou pedir um direito de resposta”, lembra Sales.

Uma das áreas a serem exploradas é o terreno da inteligência artificial, destaca o marqueteiro. Ele lembra um vídeo da eleição presidencial na Argentina que representava o então candidato Javier Milei em uma camisa de força. “Era uma coisa impressionante, muito bem-feita”, diz. “As ferramentas vão evoluindo, a tecnologia vai evoluindo, as formas de comunicar vão evoluindo, e os planejamentos das campanhas de comunicação têm que analisar e procurar se adequar”, completa.

Para a publicitária Raquel Vasconcelos, algumas novidades, como a inteligência artificial, vão merecer atenção especial dos profissionais, principalmente para combater as fake news de adversários. “Ter uma equipe dedicada à monitorização das redes sociais, à verificação de informações e ao combate às fake news pode ajudar a proteger a reputação dos candidatos e garantir a transparência do processo eleitoral”, destaca Raquel.

Fator humano é essencial

Marqueteiro com trabalhos importantes em Minas Gerais, Juliano Sales, da Casablanca Comunicação, reconhece que as campanhas eleitorais e os candidatos mudaram e que as redes sociais e a internet ganharam importância entre as ferramentas eleitorais, mas defende que isso não dispensa o uso de outras mídias ou o planejamento feito por um profissional.

“Dentro do planejamento que é feito, ela (rede social) ganha uma importância grande porque é bastante consumida por grande parte da população. Alguns candidatos têm mais intimidade com a ferramenta e têm uma performance melhor, sabem tirar proveito. Mas isso não se sustenta sozinho. É preciso ter planejamento para saber como vai se posicionar”, diz Sales.

O publicitário Cacá Moreno também concorda que as mudanças existem, mas acredita que elas podem motivar ganhos importantes. “Abre muito espaço para quem estiver atento a esse novo modelo. Novas tecnologias, novas estratégias, novo mercado ainda mais rico e com mais possibilidades. Existem riscos e oportunidades todos os dias, o tempo todo. Até mesmo porque, de 2018 para cá, inauguraram a campanha de quatro anos, ou campanha ininterrupta. O mercado amplia quando você olha por esse prisma”, afirma Moreno.

A necessidade de análise e planejamento não muda, avalia Cacá Moreno, mesmo em ambientes de transformação tecnológica. “A capacidade autoral, no meu entendimento, não é um limitador de mercado para quem é capacitado dentro do marketing político. Sempre vai ser necessária uma boa leitura de pesquisa, boa leitura de cenário, boa estratégia político-eleitoral. Uma campanha é sempre muito dinâmica”, conclui.

Jovens de direita

De forma geral, segundo marqueteiros, candidatos jovens e mais à direita dominam melhor as novas formas de campanha. É o caso de Bruno Engler (PL), pré-candidato de Jair Bolsonaro na disputa pela Prefeitura de Belo Horizonte. Deputado estadual mais votado de Minas em 2022, ele dispensa o uso dos marqueteiros. “Eu que faço as coisas. Não tenho um marqueteiro. Nós vamos decidindo como fazer”, diz o deputado.

Uma mudança de comportamento que é resultado sobretudo de uma mudança nos meios de comunicação mais importantes, avalia o cientista político Adriano Cerqueira. Se antes as propagandas em grandes veículos de comunicação eram o essencial e exigiam uma grande produção técnica, atualmente as redes sociais possibilitam que os próprios políticos assumam a geração de conteúdo. 

“No primeiro turno de 2018, Geraldo Alckmin (então candidato do PSDB) tinha quase metade do tempo de propaganda eleitoral gratuita, e Bolsonaro tinha menos de um minuto. Mas (o ex-presidente) terminou com 46% dos votos, enquanto Alckmin não chegou a 10%”, relembra Cerqueira, para exemplificar a diferença entre um político que ganhou destaque com o crescimento das redes sociais e outro que teve uma carreira de sucesso utilizando as mídias tradicionais.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!