Doorgal Andrada

O ciclismo e a falta do civismo

Preconceito e morte de ciclistas não são motivos de piada


Publicado em 15 de outubro de 2021 | 03:00
 
 
 
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Civismo, por definição: “respeito pelos valores de uma sociedade, pelas suas instituições e pelas responsabilidades e deveres do cidadão”.

Por diversas vezes, citei neste espaço o exponencial crescimento da prática do ciclismo em Minas e no Brasil. Seja por lazer, atividade física ou prática esportiva, as bicicletas estão ocupando os espaços urbanos e rurais, propiciando uma nova experiência para quem busca formas alternativas de se locomover e de cuidar da saúde física e mental. Porém, ao lado dessa tendência, que considero muito positiva, testemunhamos também uma inexplicável reação negativa, com atitudes e discursos que fomentam o preconceito contra o ciclismo e, ainda pior, estimulam uma cultura de ódio e desprezo que chega a colocar em risco a vida das pessoas que aderiram ao uso das bicicletas.

Recorro a alguns exemplos que fundamentam essa constatação. Recentemente, um determinado articulista do jornal “O Globo” publicou um texto que é um verdadeiro festival de besteiras e preconceitos. A pretexto de fazer humor, ele ridiculariza as roupas coloridas dos ciclistas – e renega o motivo óbvio de ser algo para chamar a atenção no trânsito –, critica os preços que os ditos “playboys” supostamente pagam pelas bicicletas e até mesmo a “cara fechada” de quem está em treinamento.

Antes disso, em julho, circulou um vídeo de um show de determinado humorista, no qual ele faz graça com alguém na plateia que se declara ciclista. Mais uma vez, ridiculariza as roupas – na verdade, todo ciclista ouve piadinhas sobre isso –, os movimentos da pessoa em cima da bike e chega, até mesmo, a questionar o direito de pedalar nas ruas. O pior, porém, é ele afirmar: “No caso de ciclista, eu dou razão ao motorista de ônibus que atropela”.

Isto, definitivamente, não é piada!

É claro que todos têm o direito de considerar uma vestimenta ridícula e de ter seu próprio conceito sobre aquilo que os cerca. E é claro, igualmente, que todos têm o direito à livre expressão de seus pensamentos, crenças e convicções. Porém, é desejável que as pessoas, sobretudo aquelas cuja voz é amplificada pela arte ou pela mídia, reflitam antes de externar uma posição forçadamente distorcida e leviana das coisas.

Enquanto, de um lado, estimulavam o preconceito em nome do humor, de outro o atleta Talles Medeiros era atropelado enquanto treinava na BR–040, em Belo Horizonte. Ele estava no acostamento de um trecho reto, em subida, o que permite supor negligência ou intencionalidade do atropelador que, diga-se, fugiu sem prestar socorro.

Também em Belo Horizonte, Hugo Pires se salvou de ser atingido porque viu o carro se aproximando e pulou da bicicleta antes de ser atingido. Detalhe: ele pedalava numa ciclofaixa.

No Paraná, Andressa Lustosa foi derrubada da bike quando um carro se aproximou, e um homem passou as mãos em seu corpo. Ela se desequilibrou e quase caiu debaixo do veículo. Um caso de dupla violência, considerando a importunação sexual e a queda em si. Situações assim se repetem todos os dias, em todo o país. Atingem quem trabalha com a bicicleta ou a utiliza para deslocamento, atletas e quem pedala para se divertir.

Mais do que um basta, é preciso ação efetiva.

Bicicletas são uma realidade nas ruas, avenidas, rodovias e trilhas. Cabe aos órgãos de trânsito atuar de maneira decidida para garantir a segurança de quem pedala e investir, efetivamente, a parcela de recursos que recebem para ações de conscientização. É o que temos cobrado. Que fique claro: não se trata de erguer o ciclista a uma condição especial, mas de exigir o respeito ao ser humano. Em cima de uma bicicleta, seja qual for, de roupas coloridas ou não, sorrindo ou não, existe uma vida! Respeite o ciclista!

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