Gabriel Azevedo

Há algo de podre na avenida Afonso Pena, número 1.212

Investigações sobre os contratos de ônibus urbanos em BH

Por Gabriel Azevedo
Publicado em 22 de outubro de 2021 | 03:00
 
 
 
normal

De 2017 a 2020, Alexandre Kalil conviveu com uma Câmara Municipal que não representava incômodo para ele. Num misto de ameaça e encanto, convenceu a maior parte dos vereadores a não lhe fiscalizar como deveria. A mim, não, mesmo tendo sido um dos integrantes da sua campanha eleitoral. Meu compromisso maior sempre foi com BH.

Diante da CPI da Caixa-Preta da BHTrans instaurada neste ano, Alexandre Kalil tinha uma esperança: não ia dar em nada. Ocorre que, diante das parcerias com o MP de Contas e com o MPMG, a CPI escancarou a máfia de empresários de ônibus em Belo Horizonte com grande repercussão midiática e resultados concretos. Tendo Adalclever Lopes como uma espécie de “Rasputin” municipal, o prefeito se voltou contra a Câmara. Além dos crimes conectados ao contrato de 20 anos do serviço de ônibus, investigados pela CPI da BHTrans, o prefeito assina outro crime: R$ 218 milhões dados de bom grado para os empresários de ônibus na pandemia, o que é investigado pela CPI da Covid. A principal prova foi apresentada: a Informação Técnica BHTRANS/SUTP/GCETT 094/2021, de 14 de agosto de 2021, aponta o tamanho da mutreta.

Não foi só isso. Alberto Lage, ex-chefe de gabinete do prefeito, que vem escancarando a podridão de uma máquina pública voltada muito aos interesses eleitorais e pouco aos interesses públicos, divulgou trechos gravados da última conversa que ele teve com o prefeito em 18 de agosto deste ano.

O prefeito cita várias vezes o nome de Hermes Guerrero, advogado. E depois segue: “Ele me ligou completamente cagado (referindo-se a Célio Bouzada, ex-presidente da BHTrans). Uai, Gabriel (se referiu a mim), os caras estão se defendendo”. O prefeito explicava na conversa que Célio Bouzada tinha pedido para não ir à CPI e que ele tinha ligado para mim para contar que o advogado Hermes Guerrero seria responsável por uma ação de abuso de autoridade contra mim. A intimidação para que eu atuasse para Célio Bouzada não ser escutado pela Câmara outra vez não teve efeito, claro. Ele foi ouvido mais de uma vez. E o prefeito segue na explicação: “Eles (empresários de ônibus) estão pagando (o advogado de Célio Bouzada), amigo. Os caras lá (empresários de ônibus) estão babando. Ou ele (eu, no caso) está achando que vai ficar assim? Ele vai com coercitiva no Marcelo (um dos empresários de ônibus que faltou a uma oitiva e depois participou após citação condução coercitiva). Ele está achando que é o Omar Aziz, que ele é senador?”.

O prefeito segue noutro trecho, para desmotivar o Alberto Lage a depor na CPI: “O que você ganha se você for lá esculachar o Célio (Bouzada)?” E afirma que o advogado dele será Hermes Guerrero e que ele será pago assim: “O cara vai preparar uma peça desse tamanho. Vão pagar um milhão de reais para o advogado. E deve ser o Joel (empresário de ônibus), o Marcelo (empresário de ônibus), o Lessa (empresário de ônibus)… entendeu? Eles rateiam lá. Dá cem mil para cada um”. Quem contou a estratégia para Alexandre Kalil? Joel Paschoalini, Marcelo Carvalho Santos ou os irmãos Rubens e Robson Lessa?

No dia 12 de agosto de 2016, o prefeito Alexandre Kalil utilizou seu Twitter para escrever o seguinte: “Não converso com empresário de ônibus. Não adianta me procurar”. Que hipócrita. Prefeito, quem te viu, quem te vê.

Em tempo: na quinta-feira, Hermes Guerrero foi nomeado titular do conselho de ética pública por Alexandre Kalil. Nem William Shakespeare, em “Hamlet”, produziu uma trama assim.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!