GABRIEL AZEVEDO

Resistência democrática contra a ditadura sutil

Radicalismo manipula informação contra a liberdade


Publicado em 19 de julho de 2019 | 03:00
 
 
 
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Vocês, neste momento, estão entrando no que eu chamo de ‘ditadura da era da informática’, uma ditadura sutil na qual o imaginário de grande parte da população brasileira está sendo mudado em direções totalmente contrárias aos direitos humanos, ao respeito e à liberdade”. Esse é o alerta feito nesta semana pelo sociólogo espanhol Manuel de Castells, um dos mais respeitados especialistas em comunicação digital da atualidade. Fui ao Rio de Janeiro assistir à palestra de Castells, que veio ao Brasil para participar de seminário organizado pela Fundação Getulio Vargas. E comungo da preocupação do pensador espanhol com o futuro da democracia em nosso país e em outras nações onde há ameaças cada vez maiores ao Estado de direito. Chamou-me a atenção especialmente o conhecimento que ele tem da situação que vivemos e das causas que levaram o Brasil a enfrentar momento institucional tão complicado. A expressão “ditadura sutil”, que Castells usou para definir a atuação de grupos de extrema direita no país que manipulam a opinião pública a partir do uso massivo das redes sociais, define com perfeição os contornos do que vivemos. Ele quis destacar que os movimentos totalitários não precisam mais apelar para golpes militares e guerras civis para tomar o poder. No mundo da informação, dominado pelas mídias sociais, basta manipular a opinião das pessoas para minar a democracia e instalar um governo totalitário. Outra tática para enfraquecer a democracia, de acordo com Castells, é o ataque sistemático às universidades, aos professores, à educação, à cultura e às ciências sociais, para desmantelar instituições que levam as pessoas a refletir sobre o mundo em que vivem. No conceito de ditadura sutil definido pelo sociólogo espanhol, “tudo o que significa pensar é perigoso.” As reiteradas declarações do ex-ministro da Educação Ricardo Vélez Rodríguez e do atual ocupante da pasta, Abraham Weintraub, procurando desqualificar e desconstruir o ensino público brasileiro, corroboram, no meu entendimento, a análise de Castells. Ele afirma que, no novo modelo de totalitarismo sutil em andamento no Brasil, as instituições estão preservadas, mas o poder econômico e o poder ideológico são tão manipulados que não se faz necessário lançar mão de tropas. Ele acentua a influência do fundamentalismo religioso na destruição da educação e do livre pensar. Para ele, as religiões pentecostais não se importam com a ciência e a educação, “porque, quanto mais educadas e informadas estejam as pessoas, mais capacidade terão de resistir à doutrinação”. O sociólogo, ao avaliar a guerra digital travada no Brasil, demonstra não acreditar na capacidade da esquerda de se sobrepor ao discurso da direita nas redes sociais. Para ele, “essa esquerda está morta e não só no Brasil. No resto do mundo, o pouco que resta da esquerda está tentando se reestruturar”. Mais um ponto em que concordo plenamente com o raciocínio de Castells. Há uma visível incapacidade da esquerda brasileira de se mobilizar para se contrapor às posições populistas da direita. Está claro que o cenário traçado por Castells tem viés pessimista, mas não fecha as portas para a retomada do caminho democrático no Brasil. “Sempre há maneiras de fugir da coerção”, diz ele, acrescentando que não existem dominações permanentes, pois “os humanos são livres e podem reagir”. Ou seja, como sempre defendi, a resistência democrática é o caminho.

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