Marcus Pestana

Impasse da maturidade

O necessário reposicionamento do SUS no Brasil do século XXI


Publicado em 24 de agosto de 2019 | 03:00
 
 
 
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Passados mais de 30 anos do lançamento dos pilares para construção do Sistema Único de Saúde (SUS), no processo da Constituinte de 1988, que implicou a mudança de paradigma na organização do sistema público de saúde no Brasil, chegou o tempo da maturidade; e é hora de enfrentar os novos desafios colocados. Faz-se necessário abandonar a velha retórica que tece sempre loas ao SUS e mascara problemas efetivos a serem enfrentados. Os avanços são inegáveis, mas é preciso reconhecer a distância abissal que existe a separar o SUS constitucional daquele que ganha vida real e concreta no cotidiano da população.

Trinta anos depois, o SUS não é nem o “paraíso” presente no discurso de alguns gestores e sanitaristas mais entusiasmados, nem o caos que ocupa, por vezes, as manchetes de parte da mídia e os discursos demagógicos de políticos populistas. O SUS é uma obra em permanente construção. Com tropeços e obstáculos, gargalos e vazios assistenciais, sempre presenciamos avanços permanentes. Todavia, é inevitável perceber retrocessos nos últimos anos diante da brutal recessão e do agravamento da crise fiscal.

A grave restrição fiscal indica o pequeno espaço para incrementos reais significativos no Orçamento do SUS nos planos nacional, estaduais e municipais nos próximos anos, o que dependerá fundamentalmente da capacidade negociadora dos gestores diante do sistema político decisório e da sociedade brasileira. A emenda constitucional que versa sobre o limite de gastos públicos fixa um teto agregado e global por poder, mas não tetos setoriais. 

A crise federativa, o estrangulamento orçamentário grave dos municípios e Estados, a grande expectativa despertada pelos novos governos a partir das eleições de 2018 e a crise econômica dos últimos anos, que aumenta a demanda sobre o SUS, dramatizam o desafio.

O sistema público de saúde tem gestão e financiamento compartilhados em um país continental. Nenhuma nação no mundo apostou tão radicalmente na descentralização das políticas de saúde. Teremos, portanto, que administrar bem a ansiedade por resultados imediatos. A solidariedade entre os gestores das três esferas de poder é chave para a solução de problemas complexos.

Hoje é sabido que as estruturas flexíveis de gestão de serviços de saúde são muito mais eficientes e têm maior produtividade. É preciso traçar um rumo claro em relação aos arranjos institucionais ideais para os níveis de atenção primária, secundária e terciária à saúde. 

O subfinanciamento do sistema público brasileiro de saúde é uma realidade incontestável desde seu nascimento. Diante da crise fiscal que inibe a expansão de gastos públicos no Brasil nos próximos anos e do subfinanciamento crônico do SUS, é preciso investir pesado em inovação e melhoria da produtividade dos recursos, combatendo ineficiências e fazendo mais e melhor com cada real.

A reforma sanitária brasileira produziu uma mudança radical: de um sistema de acesso excludente para um de acesso universal; de uma centralização autoritária para a municipalização radical; de um modelo assistencial hospitalocêntrico e altamente medicalizado para a primazia da atenção primária e da vigilância em saúde; de uma fragmentação sistêmica para uma lógica única e integradora do ponto de vista federativo e assistencial com a organização de redes.

Depois de 30 anos de existência do SUS, chegamos ao impasse da maturidade: a contradição entre um marco constitucional e legal excessivamente generoso e aberto, financiamento insuficiente e pressão de custos crescentes em função da transição demográfica e da veloz incorporação de inovações tecnológicas.

Diante de tamanho desafio, temos que perseguir a busca de novas fontes de financiamento. Paralelamente, é essencial melhorar a gestão dos recursos existentes.

Podemos qualificar melhor princípios constitucionais e legais, introduzir ferramentas de gestão mais eficientes e identificar formas de melhorar o financiamento.

Não há mais lugar para discursos ufanistas. As mazelas e os gargalos presentes no dia a dia do usuário do SUS saltam aos olhos. Diante disso, a pior atitude é a inércia ou o refúgio em um fundamentalismo sem base real. A conquista da utopia dos constituintes é um processo permanente. Estancar os retrocessos e ter ousadia para mudar o que é preciso mudar, arquivando dogmas e “vacas sagradas” e enfrentando com realismo e coragem as novas perguntas que a realidade coloca diante de nós, parece ser o caminho.

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