Marcus Pestana

Novo Fundeb e o futuro da educação

Investimento é bom, desde que o recurso seja bem gasto


Publicado em 08 de agosto de 2020 | 03:00
 
 
 
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Desnecessário reafirmar a centralidade da educação de qualidade para a sociedade e a economia de um país, preparando crianças e jovens para o exercício da cidadania e a sua inserção no mercado de trabalho e na vida social e política. Como disse certa vez o ex-senador Cristovam Buarque: “O berço da desigualdade é a desigualdade do berço”. E só a educação pode democratizar as oportunidades.

O compromisso com a educação povoa todos os discursos políticos, mas muitas vezes não transborda o nível da simples retórica. Para a construção de um grande país, temos que arregaçar as mangas e agir para superarmos o terrível passivo na área educacional.

Em 1996, o governo FHC criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que foi responsável por garantir uma fonte de financiamento estável para o ensino da primeira à oitava séries e pela universalização do ensino fundamental. Em 2007, o governo Lula ampliou o financiamento para o ensino infantil e médio com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). A complementação do governo federal cresceu de 1% para 10%. Foram avanços, mas os resultados que temos hoje são claramente insuficientes.

O Senado Federal votará na próxima semana a Emenda Constitucional 26/2020, que já foi aprovada na Câmara, relatado pela deputada Professora Dorinha (DEM-GO), renovando o Fundeb e promovendo mudanças.

O texto altera critérios de distribuição dos recursos; procura aprimorar a equidade social, privilegiando municípios mais pobres; pretende aumentar a transparência, a avaliação de resultados e os controles; intenciona estimular o aumento da qualidade e amplia a complementação federal dos atuais 10% para progressivamente alcançar 23% em 2026. A extinção do Fundeb, que se daria em 2021, seria um desastre, e o aumento de investimento é importante desde que os recursos sejam bem gastos. Mas há problemas.

Primeiro, a nossa desconfiança histórica em relação ao caráter perverso e excludente de nosso modelo de desenvolvimento e à qualidade da ação dos gestores locais, nos leva a constitucionalizar tudo e a criar vinculações detalhistas que resultam em um modelo rígido demais para uma realidade em constante mutação. A revisão é prevista para daqui a dez anos. Mudanças constitucionais são difíceis e complexas. Quais serão os impactos no sistema educacional e nas políticas públicas da transição demográfica com cada vez mais idosos e menos crianças, da reforma tributária, da crise fiscal, da revolução da tele-educação?

Segundo, a exclusão do pagamento de aposentados da educação dentro dos cálculos, conceito correto, mas sem uma transição, colocará muitos Estados em extrema dificuldade para cumprir o texto. Vamos criminalizar esses governadores?

E, por último, há estudos e evidências que comprovam não haver associação obrigatória de aumento de recursos com a ampliação da qualidade e a obtenção de resultados.

Se não introduzirmos mais flexibilidade para os gestores locais e regionais, não superarmos o corporativismo, não estimularmos o empreendedorismo das diretoras de escola, não introduzirmos a remuneração variável premiando desempenho e resultados e não envolvermos profundamente a comunidade e as famílias no processo educacional das crianças e dos jovens, poderemos aplicar preciosos recursos escassos e não promover a tão necessária revolução educacional. Intenção e gesto nem sempre caminham juntos.

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