POR QUE NÃO HÁ APRENDIZADO?

Luiza Muzzi

Ao menos seis grandes tragédias foram registradas em Minas nos últimos anos, mas problemas em licenciamentos, fiscalização e monitoramento continuam. Para especialistas, os processos são viciados, e os rompimentos de barragens, inevitáveis

Apesar de provocar danos de proporções nunca antes vistas na história ambiental do país, a tragédia de Mariana deixou muita gente com uma estranha sensação de déjà vu, como se aquelas cenas de destruição remetessem a um filme antigo, já visto repetidas vezes. Mas não por acaso, Minas Gerais tem um histórico recente de catástrofes na área da mineração: 1986, 1997, 2001, 2003, 2006/2007, 2014 – em todos esses anos houve rompimentos de barragens que resultaram em devastação. Diante de um novo desastre, porém, fica a dúvida: por que, mesmo com várias oportunidades, ainda não conseguimos tirar lições de erros que insistem em se repetir?

“Isso não pode mais acontecer. Chegamos ao limite”, avalia o doutor em engenharia mineral Valdir Costa e Silva, professor da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Para o especialista, faltam fiscalizações mais efetivas dos órgãos responsáveis, legislações mais rígidas na área geotécnica e um programa de monitoramento contínuo de barragens, inclusive com utilização de sismógrafos para avaliar a influência das detonações realizadas próximo às estruturas de rejeitos.

“Acidentes como esses não teriam acontecido se houvesse uma qualificação maior da equipe que atua para autorizar a lavra das minerações. O problema é que a própria mineradora é quem emite o laudo, dizendo que tomou as providências de segurança”, pondera Silva. Para o professor, o grande gargalo está depois de a autorização ambiental ser concedida. “Não podemos relaxar. Precisamos de auditorias contínuas, no mínimo anuais, para cada localidade”.

Pesquisador do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o professor Klemens Laschefski concorda com a necessidade de mais fiscalização, mas ressalta os entraves na condução do próprio licenciamento ambiental. “Temos alguns vícios no processo, que começa com a dependência dos consultores em relação ao empreendedor. A empresa paga a consultoria, que deve resultar no estudo de viabilidade ambiental do empreendimento, então, obviamente, qualquer consultor vai comprovar a viabilidade. O resultado é que a empresa tem grande influência, porque determina o conteúdo desses estudos, que, via de regra, são muito malfeitos”, explica Laschefski, destacando que, na prática, o lado econômico é o que sempre prevalece. “As questões ambiental e social podem atrapalhar a perspectiva de gerar lucro, por isso ficam em segundo plano e são tratadas de forma equivocada”.

Embora ainda não haja uma sentença que aponte o real erro que ocasionou o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, o professor Carlos Martinez, coordenador do Centro de Pesquisas Hidráulicas e Recursos Hídricos da UFMG, explica que o rompimento de barragens é inevitável. Segundo ele, existem formas de se trabalhar na estabilidade das estruturas, prolongando sua vida, mas, cedo ou tarde, elas irão se romper. “A gente sabe que vai acontecer. É como a morte. O problema é quando e como. Existem formas de se prolongar a vida dessas estruturas até que elas sejam substituídas, e a engenharia tem como prever. Precisamos, agora, aprender com esse erro, aprimorando nossos processos de construção e de monitoramento de barragens”, diz Martinez.

SEGURANÇA SÓ VEIO
APÓS PUNIÇÕES

Ao contrário do que se vê no Brasil, muitos países conseguiram reverter desastres em aprendizado, fazendo alterações na legislação e na rotina de empresas que trouxeram maior proteção

Luiza Muzzi

Historicamente, tragédias ambientais já causaram danos graves pelos quatro cantos do mundo. Segundo especialistas, a diferença é que multas severas foram efetivamente pagas, e alterações em leis foram concretizadas, levando a mudanças nas atividades das empresas responsáveis pelos danos. No Brasil, ao contrário, o que se vê comumente são flexibilizações na legislação, insuficiência de fiscalização e baixa responsabilização dos culpados pelos desastres. Para que o cenário de impunidade deixe de ser regra, a aposta é no maior engajamento da população em acompanhar atividades extrativistas, como a mineração.

“Em geral, em países onde a legislação é mais restrita, com uso limitado do solo, os procedimentos são duros, e as multas, muito pesadas”, explica o pesquisador Marcos Freitas, coordenador do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Freitas cita o exemplo do vazamento de 5 milhões de barris de petróleo no golfo do México, pela British Petroleum, em 2010, cuja multa para recomposição de danos chegou a quase US$ 20 bilhões.

“A multa foi alta, e a multinacional também mudou suas políticas internas para evitar catástrofes”, confirma o professor de geografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Klemens Laschefski. Ele ressalta que acidentes só são evitados quando as empresas são obrigadas a fazer bons estudos e planejamentos anteriores a sua instalação.

Segundo os especialistas, o que acontece, principalmente em Minas, é que o Estado acaba fazendo vista grossa para a fiscalização por depender financeiramente da atividade. “Precisamos ir no sentido contrário e ampliar a participação da sociedade civil no monitoramento das políticas públicas. Essa é a grande lição para se tirar de Mariana”, avalia Laschefski.

Nascido na Alemanha, o professor conta que fez 11 estudos de impacto ambiental em seu país e em todos precisava ajustar seus resultados conforme o desejo do empreendedor. Por isso, ele defende a criação de um fundo, abastecido pelas empresas, para a realização de estudos independentes.

Laschefski acredita ainda que o Brasil deveria seguir o exemplo de países onde os esboços para a realização dos estudos de impacto ambiental se baseiam em audiências públicas prévias, em que se discutem junto com a população local os aspectos a serem analisados. “Isso é uma forma de controle social. Na Europa e nos Estados Unidos, cada objeção dos moradores tem que ser respondida por escrito. Aqui, as audiências são mera formalidade”.

“A sociedade precisa ser ouvida e envolver a ciência e outras experiências no trato com os rejeitos. Temos que aprender com essa tragédia de Mariana, e não ficar votando, por compromisso de campanha, uma fragilização da lei”, concorda Malu Ribeiro, coordenadora da rede das águas da Fundação SOS Mata Atlântica.

Segundo Freitas, com o tempo será possível precisar a dimensão da tragédia de Mariana. Ainda assim, o rompimento, com 55 milhões de metros cúbicos de lama, já é considerado o maior acidente do mundo em volume de material despejado por barragens de mineração.