“Eu não preciso de cesta básica, preciso que os problemas sejam resolvidos. Eu sou ribeirinha, cadê o rio pra gente comer os peixes? Minha cisterna foi condenada, não tenho água para molhar as plantas, lavar roupa, tomar banho”. É o que nos conta dona Neiva, moradora da comunidade de Córrego do Feijão. Ela e mais 61 pessoas estiveram na Câmara Municipal de Brumadinho na última sexta-feira, dia 15, para serem ouvidas pela comissão externa criada na Câmara dos Deputados para apurar o crime socioambiental da Vale.
A cada relato, a dor das famílias que não puderam enterrar seus entes queridos, a angústia de agricultores que perderam seu trabalho, as dificuldades de comunidades inteiras sem água e sem estradas. O povo de Brumadinho e dos demais municípios da bacia do Paraopeba enfrenta um momento aterrador não apenas para a região, mas também para Minas Gerais e para o Brasil. Seus depoimentos revelam que o impacto do crime, que ceifou centenas de vidas, destruiu a fauna, a flora e matou o rio Paraopeba, estende-se de forma cada vez mais complexa, afetando, inclusive, a saúde mental das pessoas atingidas e alterando de forma irreparável, por muitas gerações, modos de existência, de ser e de estar no mundo.
“O Paraopeba está morto, e, todos os dias, a Retomada Indígena Pataxó Naô Xohã chora a morte de um dos seus”, são as palavras emocionadas do cacique Hayô. A aldeia, localizada no distrito de São Joaquim de Bicas, foi severamente afetada pelo mar de lama que engoliu o Paraopeba, já que, para essa comunidade, todos os aspectos de sua cultura, a subsistência, o trabalho, o lazer e o sagrado estão intimamente ligados ao rio. Os Pataxó do Paraopeba sentem hoje a dor que, há três anos, vive o povo Krenak, que habita as margens do rio Doce, o Watu, também contaminado pela lama no crime da Samarco/Vale em Mariana, em novembro de 2015.
Nas palavras de outra liderança indígena, Célia Xacriabá, há urgência de construir, coletivamente, alternativas culturais, sociais e econômicas: “Quando nós, povos indígenas, lutamos por um projeto de bem viver, é porque esse projeto que está aí já não é mais possível. É preciso um projeto de país que não tenha a mão suja nem de lama, nem de sangue das comunidades indígenas”. O projeto colonizador instaurou modelos predatórios que não conseguimos superar por força de grupos que detêm o poder econômico e político no país. O que os povos originários ensinam, em sua relação orgânica com a natureza, a comunidade e o território ancestral, é que vivenciamos o colapso de um modo de vida que privilegia alguns poucos em detrimento das maiorias sociais e que se tornou insustentável e incompatível com a felicidade e a sobrevivência.
Cotidianamente, nos deparamos com notícias que comprovam que diversos territórios em Minas Gerais estão submetidos ao risco iminente de rompimento de outras barragens. Para enfrentar esse contexto terrível, é urgente o aperfeiçoamento da legislação. O principal compromisso da comissão externa é a entrega, para a sociedade brasileira, de um marco regulatório responsável e avançado para a política mineral. Precisamos rever processos de licenciamento e fiscalização, colocar em debate a questão da segurança hídrica, prever a garantia dos direitos de populações atingidas e buscar alternativas à dependência minerária para o desenvolvimento econômico. Para isso, será necessária ampla mobilização popular, pois os criminosos não querem a regulamentação – eles apenas acenam com uma reparação inócua e contam que seus crimes cairão no esquecimento. Mas não esqueceremos Brumadinho, não esqueceremos Mariana. Lutaremos pelo direito às águas, à terra, à participação democrática e ao bem viver, para que possamos avançar rumo a dias melhores em nosso país.