ENTENDA

Por que o Brasileirão não parou após a tragédia no RS?

A maioria dos municípios do Rio Grande do Sul está em estado de calamidade pública, mas CBF optou por adiar apenas os jogos envolvendo equipes gaúchas ao invés de paralisar o Nacional

Por Frederico Teixeira e Rodrigo Rodrigues
Publicado em 10 de maio de 2024 | 05:00
 
 
 
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A tragédia provocada pelas inundações que devastaram grande parte do Rio Grande do Sul, com mais de 100 mortes confirmadas pelas autoridades, e ao menos 136 pessoas desaparecidas e milhares de desalojados e desabrigados, causou comoção e gerou corrente de solidariedade em todo o país. No entanto, não foi capaz de fazer a bola parar de rolar. 

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) optou por suspender, inicialmente, até  27 de maio os jogos envolvendo equipes gaúchas em todas as competições. A decisão, porém, foi muito questionada por torcedores, atletas e dirigentes, que defendiam a paralisação total dos torneios, ressaltando a falta de estrutura e a falta de 'clima' para jogos de futebol. 

“É importante dizer que estamos vivendo um momento de comoção nacional, que afeta não apenas as pessoas que estão no Rio Grande do Sul, como todos que têm familiares, amigos e referências lá. Afeta a todos os brasileiros, porque é um pedaço da nossa nação”, aponta João Ricardo Cozac, psicólogo do esporte e presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte.

“Parafraseando um pouco o presidente do Grêmio (Alberto Guerra), que disse que o futebol é alegria, paixão, entretenimento, não dá para ficar vendo jogador comemorando gol, feliz, no momento em que um pedaço do nosso país está debaixo d'água. Não tem clima para isso”, acrescenta o especialista.

Veja o vídeo:

Motivação questionada

Ao adotar a postura de não paralisar as competições, a CBF se baseia na 'escassez de datas' disponíveis. A entidade entende que, ao suspender apenas partidas das equipes gaúchas, será mais fácil encontrar depois uma 'janela' para remarcação dos jogos. O que seria bem mais complicado se todos os times tivessem seus compromissos cancelados, mesmo em caso de eventuais eliminações de equipes brasileiras nas copas Libertadores ou Sul-Americana.  

De fato, pelo mesmo motivo, a CBF já não havia atendido a demanda de vários clubes brasileiros que pretendiam que o Brasileirão fosse paralisado durante a disputa da Copa América de seleções (de 20 de junho a 14 de julho). Mas, em função do desastre provocado pela tragédia no Sul do país, a situação agora é bem diferente.

Mesmo assim, a CBF alega que a paralisação do Brasileiro acabaria provocando um efeito cascata. Se, no momento, a 38ª e última rodada está prevista para 8 de dezembro, em caso de suspensão geral, o campeonato só seria encerrado nos primeiros meses de 2025. E adiaria também o início da próxima temporada, já que os atletas precisam ter ao menos 30 dias de férias antes do reinício de suas atividades.

Mas ainda há outras questões em jogo. Pelos meios oficiais, a entidade não fala a respeito, mas o fator econômico também pesa. A CBF não estaria disposta a entrar em rota de colisão com patrocinadores e empresas detentoras dos direitos de transmissão dos campeonatos. A maioria delas, inclusive, já pagou suas cotas à entidade de forma antecipada.

“Entendemos que há interesses comerciais, a CBF tem de fazer o campeonato girar porque é um espetáculo que movimenta patrocínios imensos, mas é preciso bom senso. Além disso, haverá uma dificuldade imensa de calendário, porque serão cinco ou seis jogos que Grêmio, Juventude e Internacional acumularão de defasagem em relação a outros times”, observa Cozac.

Psicológico e logística afetados

Caso a decisão inicial da CBF seja mantida, os clubes gaúchos voltarão a jogar em 1º de junho, sábado, pela nona rodada da Série A. Além de todos os problemas que envolvem o retorno dos times às disputas, o aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, estará fechado, pelo menos, até o próximo 30 de maio. Na melhor das hipóteses, a logística das delegações envolvidas nas partidas também estaria comprometida. 

Em Porto Alegre, o Grêmio recebe o Botafogo. Se o alvinegro carioca precisará desembarcar na cidade, o Internacional terá de partir dali rumo a Salvador, para enfrentar o Vitória, e o Juventude necessitará se deslocar para Bragança Paulista, onde encara o Red Bull Bragantino.

Dos três times, apenas o Juventude seguia tendo condições de treinar. Já Internacional e Grêmio tiveram seus CTs e seus estádios inundados. Desta forma, enquanto as outras equipes estariam 'voando', em ritmo de jogo, a dupla Gre-Nal estaria em estágio bem inferior, como se fosse da chamada pré-temporada. Para piorar, terão de fazer vários jogos em curto intervalo de tempo para conseguir se igualar às demais equipes em número de partidas.

“É muito pouco tempo. Estamos falando em três semanas para uma catástrofe sem dimensões. Torço e espero que, até lá, as coisas tenham melhorado ou cessado um pouco esse momento mais crítico que o povo está vivendo naquele Estado. Vamos aguardar para ver a situação da infraestrutura da cidade, dos estádios e como estarão os jogadores, emocionalmente equilibrados ou não, para voltar a disputar uma partida do Brasileiro”, argumenta Cozac.

É justamente o aspecto psicológico que o especialista aponta como o ponto mais sensível neste momento. Muitos jogadores que jogam no Sul ou em outros estados tiveram familiares afetados pela tragédia. Vários atletas, inclusive, sentiram na pele os efeitos da tragédia e se mobilizaram desde o início para ajudar a resgatar pessoas que se encontravam ou se encontram ilhadas, além de  levar mantimentos aos necessitados. 

“A condição psicológica não é nem um pouco favorável para a prática esportiva e de torneio de alto rendimento. As pessoas estão morrendo, passando fome, num momento absolutamente preocupante e catastrófico. Os jogadores não conseguiriam se empenhar para voltar a uma competição, até porque há familiares próximos que estão passando por dificuldades extremas, assim como boa parte do povo gaúcho. Vale dizer também que muitos jogadores do Rio Grande do Sul ou que têm familiares lá jogam em times de outros estados. Na minha opinião, o Campeonato Brasileiro deveria parar, pelo menos, um mês até as coisas começarem a voltar minimamente para os eixos. Até haver algum tipo de condição psicológica para o retorno das atividades não só naquele estado”, argumenta Cozac.

Mineiro de Belo Horizonte, o ex-zagueiro Léo começou a carreira justamente em Porto Alegre, no Grêmio, onde ficou dos 12 aos 21 anos. O ex-defensor do Cruzeiro também mantém amigos no Sul do país e reforça o posicionamento do psicólogo.

"Eu sou a favor de ser paralisado. Os clubes gaúchos não têm como jogar. Ninguém está pensando em futebol nesse momento. Os estádios e os CTs foram afetados. As moradias dos atletas e seus familiares também. Todas as forças precisam estar voltadas agora para a recuperação e para dar suporte às pessoas das cidades afetadas, já que os danos são gigantescos", defende.

O que dizem os clubes mineiros

América

Marcus Salum, presidente da SAF América, afirmou que o clube não se opõe a uma eventual paralisação do Campeonato Brasileiro, ressaltando que a instituição é solidária às pessoas que estão passando por dificuldades.

Atlético 

Presidente do Atlético, Sérgio Coelho afirmou ser favorável à paralisação do Campeonato Brasileiro, também pensando na questão da solidariedade ao povo gaúcho. Entretanto, afirmou caso a CBF mantenha a competição, o Galo jogará normalmente.

Cruzeiro

Gestor da SAF Cruzeiro, Pedro Lourenço afirmou à reportagem de O TEMPO Sports não ser favorável à paralisação total da competição. Ele ressaltou o fato de o time celeste não ter sequer jogos contra equipes gaúchas nas próximas rodadas.

Jogos envolvendo times mineiros que foram adiados

Série A

  • 11/5 - Atlético x Grêmio (6ª rodada)

Série C

  • 26/5 - São José x Athletic (6ª rodada)
  • 27/5 - Tombense x Caxias (6ª rodada)

Brasileiro Feminino A1

  • 12/5 - Grêmio x América - 10ª rodada
  • 18/5 - Atlético x Grêmio - 11ª rodada

 

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