Quando fui à Rússia, deixei por lá também todas as minhas barreiras ocidentais em relação ao maior país do mundo e passei a me interessar por tudo que envolvia aquela nação que, para mim, já não era mais estranha. Tornou-se até familiar. De todas as coisas que trouxe da Rússia, as imateriais são as que mais me encantam. Das relações que desenvolvi com certos habitantes do país, pessoas que se espalham de Moscou a Krasnodar, chegando até a distante Sibéria, trouxe também o gosto e a admiração pelo futebol russo. Estive em dois jogos da Rússia na Copa, um deles o fatídico dia em que os donos da casa despacharam a poderosa Espanha nos pênaltis.
Talvez alguns dos meus companheiros não tenham acompanhado ou vivido com a mesma intensidade aquele dia. Mas existem momentos em nossas vidas que demarcam o antes e o depois. Aquele duelo, por mais sofrível que possa ter parecido, para mim foi um dos jogos mais importantes daquela Copa. Uma eliminação seria o caminho mais natural, na verdade até creio que os russos foram ao Luzhniki já crentes na despedida. Mas a vitória, da forma que foi, representou não apenas o avanço às quartas de final, mas colocou todo um país diante do futebol, até então um universo desconhecido para muitos. Conversei com alguns russos que sequer sabiam que a seleção local tinha vindo ao Brasil para a disputa da Copa de 2014.
Recorde de público no Campeonato local
A exposição de Cherchesov e seus comandados durante a Copa do ano passado trouxe um impacto no consumo do futebol no país e reverberou nos times. A Premier League Russa seria o teste final para saber se o futebol realmente pegou na nação. Seja pela curiosidade em torno dos novos e modernos estádios ou então pelo efeito Copa, a média de público no Russão experimentou um aumento, passando dos 13.971 torcedores por jogo da última temporada para os 16.595 atuais.
Em 2008, a média no Campeonato Russo era de 12.914 torcedores por partda. A evolução é consdierável. A primeira rodada do torneio nacional da atual temporada chegou a registrar um aumento de 71% no público, crescimento que também chegou à segunda divisão local.
Os endinheirados se beneficiam
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Os russos, precavidos, encaram os números com parcimônia. Ainda é preciso evoluir bastante no futebol local. Os grandes públicos se concentram nos novos estádios e estão propensos aos times que concentram um maior índice de investimento. Desde 1992, a partir da dissolução da URSS, o Campeonato Russo possui pouca alteração em sua lista de campeões justamente porque o "poder" está centralizado em 'times-chave'. Foram seis campeões, com destaque para o Spoartak Moscou, vencedor de dez torneios neste período. No entanto, desde 2002, o Spartak acabou tendo que enfrentar a opulência de outros times com investimentos muito maiores que o seu. Foram cinco taças do CSKA, equipe que teve em seus quadros o brasileiro Vágner Love, até hoje lembrado pelos torcedores.
A era Zenit
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E também cinco troféus do Zenit St. Petersburg, o último conquistado no sábado, após empatar com o Akhmat Grozny, fora de casa, por 1 a 1, e ver o vice-líder e até então atual campeão Lokomotiv ser derrotado pelo Arsenal Tula por 2 a 0.
O Zenit é, sem dúvidas, o time de maior investimento no país, abastecido pelos milhões injetados pela indústria do petróleo e gás. A situação é notável. Antes da Gazprom tornar-se sócia majoritária da equipe, o Zenit havia conquistado apenas um Campeonato Soviético, em 1984. A partir de 2005, no entanto, ano que marca a chegada da empresa ao controle do time de São Petersburgo, a lista de troféus nacionais chega a cinco (2007, 2010, 2011-12, 2014-15, 2018-19). Investimento que também fez o time chegar à conquista da segunda competição de clubes mais importante do continente: a então Copa da Uefa, em 2007-2008, derrotando o Rangers na decisão.
O Zenit então passou a ser uma potência, obliterando os tradicionais times do país, como o Spartak Moscou e o próprio Dínamo de Moscou, e abocanhando grande parte da torcida do país. Não à toa, o time possui a melhor média de público do Campeonato Russo. Em sua novíssima arena, a de mais controverso investimento para a Copa do Mundo da Rússia, centro de inúmeros casos de corrupção e desvio de dinheiro, o time vem obtendo uma média de 46.493 torcedores por partida, número bem superior ao do Spartak, o segundo colocado na lista, com 31.327 espectadores por jogo, do Rostov (30.453) e Krasnodar (24.507).
Na caminhada do título, o Zenit saiu vitorioso em um dos melhores jogos do futebol local nos últimos tempos. Uma peleja de tirar o fôlego contra o Krasnodar, na casa do rival. A vitória por 3 a 2 foi a cereja no bolo em um jogo onde brilhou a estrela de Artem Dzyuba, com dois gols, o gigante russo que defendeu a seleção do país na brilhante campanha na última Copa.
O Zenit possui uma legião de sul-americanos em seus quadros, dentre eles o volante mineiro Hernani, ex-Atlético-PR e Joinville, esquecido no banco do técnico Sergei Semak e que pode se converter em uma opção para os clubes brasileiros, assim como aconteceu com Pedro Rocha no Cruzeiro, muito em breve. Outros sul-americanos de destaque no Zenit são o volante colombiano Wilmar Barrios, ex-Boca, e Sebastián Driussi, ex-River Plate, protagonistas em mais uma campanha vitoriosa.
No próximo fim de semana, justamente em sua casa, o Zenit fará a festa diante de sua torcida. Encara o CSKA, um confronto entre os maiores campeões da era Premier League, para levantar a taça e seguir fazendo história. Assim que embarcaram de Grozny, na Chechênia, após empatar com Akhmat, os jogadores do Zenit não tinham conhecimento do resultado do Lokomotiv. A informação sobre a conquista veio com o comandante da aeronave, que não possuía Wi-fi. Via torre de controle, o piloto então comunicou o desfecho do Russão. Festa nas alturas para um campeonato de recordes.
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