O velho morreu no vilarejo, mas o caixão encomendado viria de Montes Claros. Saíram num caminhãozinho tranqueira e foram buscar o caixão. A viagem de retorno era longa, coisa de quatro, cinco horas.
Voltando por uma estradinha de chão, toparam com um caboclo pedindo carona. Como já eram dois na boleia, ofereceram a carroceria:
– Se quiser, pode subir. Tem um caixão vazio aí; se o senhor não tiver cisma, vão bora!
E ele, subindo, já foi sentando logo em cima. Daí a pouco começou uma chuva fina. Sem pensar duas vezes, abriu a tampa e pulou dentro. Deitado, aguardava que ela parasse. E, naquele lenga-lenga, acabou dormindo.
O caminhão prosseguia viagem quando, no meio do caminho, um pastor acompanhado por um grupo de fiéis pediu carona.
– Tudo bem. Se não se importarem com o caixão aí atrás, vão bora! – E lá se foram.
Passado um tempo, resolveram cantar para distrair os pensamentos, e o caboclo, acordando com a cantoria, abriu a tampa de supetão:
– E aí? Já parou de chover?
E foi um deus nos acuda! Pularam com o caminhão andando, velhos, crianças e mulher de barriga... Não ficou um pra contar a história.
E da boleia, alarmados pela gritaria, pararam o caminhão. O mal-entendido foi desfeito quando viram que o defunto estava vivo, ou melhor, nem sequer era defunto.
Mais adiante, confusão na estrada. Antes que saísse morte, pararam para apartar briga entre marido, mulher e comadre. As duas gritavam, enquanto o sujeito, embriagado, distribuía tapas e desaforos. O povo desceu do caminhão injuriado, e o pastor voltou à carroceria para buscar a Bíblia:
– Isso é coisa do demônio – dizia aos fiéis, enquanto, aproximando-se do sujeito, gritava:
– Sai, satanás! Eu te repreendo em nome de Jesus!
As mulheres rezavam, o caboclo observava com o rabo do olho, enquanto motorista e companheiro acompanhavam de longe o desenrolar da cena.
– Sai, satanás! – continuava o pastor, até ser interrompido pelo homem enfurecido:
– Satanás é a p@#$%&*).q.p (*#$@%&)! (Para o horror da mulherada).
No meio da confusão, sua dentadura caiu na poeira, e, ao abaixar-se para pegá-la, alguém gritou lá de trás:
– Corre, gente, corre, que lá vem pedra!
E dá-lhe pernas. O motorista entrou no meio:
– Vão bora, pessoal! Simbora, que o defunto não pode esperar!
Subiram devagarinho, desconfiados do “encapetado”, que, voltando a dentadura à boca, no meio da estrada, continuava seu repertório.
Aproveitando-se da situação, mulher e comadre sumiram pro meio do mato.
E lá vai o caminhão pelos sertões de Minas. Seguindo viagem afora com a cantoria do povo e um caboclo sentado no caixão. Marcha forte na subida e banguela na descida, porque o defunto, como dizia o motorista, já não podia mais esperar.