No último domingo, recebi com pesar a notícia do tsunami que se abateu sobre a Indonésia. Coincidência ou não, no mesmo período natalino daquele que varreu o oceano Índico, em dezembro de 2004, que, devido às circunstâncias, me marcou profundamente.
Republico esta crônica, escrita há 15 anos, em que retrato um pouco daquilo que senti.
Surpreendente a vida. Véspera de Natal, após quase dez horas trabalhando em cima de uma filmagem feita em nossa última viagem à Índia, consegui, apesar do amadorismo cinematográfico, captar e reproduzir um pouco do fascínio daquele país.
Queria presentear minha família, afinal, compartilhamos ali um dos melhores e mais enriquecedores momentos de nossas vidas. Para editar o filme em DVD, além das filmagens, havia separado postais, músicas, mantras e inúmeras fotografias tiradas durante os 16 dias em que, de carro, percorremos o sul da Índia.
Ao retirar os álbuns do armário, com saudades, separava as melhores fotos, aquelas que me transportavam às suas estreitas e surpreendentes estradas, aos vilarejos com casinhas de palha e sua gente humilde, às muitas plantações de arroz, à beleza e imponência dos templos, ao trânsito caótico das grandes cidades, aos carros de boi com seus chifres pintados, à delicadeza das mulheres em suas vestes coloridas e tantas, tantas coisas mais.
Era como se aqueles papéis em minhas mãos tivessem o poder de conduzir-me, pela lembrança, aos melhores momentos que ali passamos.
Muitas das fotografias foram tiradas em Bangaram, pequena ilha do arquipélago de Laccadive, no extremo sul do país – o lugar mais lindo em que já estive.
Lembro-me do dia em que lá chegamos. Desembarcamos num minúsculo aeroporto, rodeado por cabritos e areia muito branca. Fazia um calor gostoso, e teríamos que seguir de barca durante cerca de duas horas.
As ilhas eram predominantemente povoadas por muçulmanos, e, para não haver nenhum tipo de choque cultural, era permitida a nós, como turistas, a permanência somente em Bangaram.
Do barco, olhando para aquelas águas transparentes e de um azul indescritível, descobrimos, surpresos, a presença de tartarugas gigantes. À medida que íamos passando, éramos saudados por nativos sorridentes e mulheres cobertas por véus e vestimentas negras.
O hotel, o único da ilha, era composto por poucos e rústicos bangalôs, desprovidos de TV, ar-condicionado, geladeira, vidros nas janelas, telefone, água quente e pura. Pouquíssimos turistas sabiam de sua existência, o que o tornava ainda mais especial.
Apesar da simplicidade, sem dúvida, era o mais aconchegante. Não havia vidros, apenas telinhas na janela a nos proteger dos pernilongos, ao mesmo tempo em que serviam de passagem à brisa vinda do mar.
Acordávamos cedo, ainda escuro, para ver o nascer do sol e, à tardinha, caminhávamos entre palmeiras e corais para o outro lado da ilha, pelo simples prazer de contemplar o mais belo e inesquecível ocaso.
Rimos e nos emocionamos com o filme que presenteei à família, até chegar o dia seguinte, quando, ao ligarmos a TV, na manhã do dia 26, fomos surpreendidos pela trágica notícia do tsunami. Passei a noite em claro, pensando e relembrando os inúmeros lugares percorridos, com sua gente simples e cativante. Cidades grandes, feito Madras, abrigando, entre outras, a sede mundial da Sociedade Teosófica; pequenas, feito Mamallapuram, também à beira-mar; e lugares mágicos, como Bangaram, um pontinho perdido no oceano Índico, rodeado por areias brancas e águas transparentes. Penso nisso tudo, e me vem um aperto doído. Revejo as fotografias, na tentativa de compreender o porquê.
E, com tristeza, me pergunto: o que poderá ter acontecido a essa pequena ilha e à sua gente? E ao mais lindo pôr do sol que já se viu no mundo?
Em 2004, as pequenas ilhas do sul da Índia foram violentamente atingidas pelo tsunami. Quase 230 mil pessoas perderam suas vidas em 13 países afetados por ele, principalmente a Indonésia, que hoje, 15 anos depois, vive mais uma vez essa tragédia.