Antes que vire um livro, finalizo a história dos aguapés da lagoa da Pampulha no ano de 1993. Quem os viu não esquece, principalmente os moradores da região. Ricos ou pobres, sem exceção, sofreram na pele as picadas dos milhões de pernilongos que ali proliferaram. Pernilongos e aguapés, que dupla! Um diretamente ligado ao outro. Fim dos aguapés – fim dos pernilongos.
Como disse nas duas últimas crônicas, no início trabalhávamos em dois turnos, inclusive nos fins de semana, quando possuíamos um espaço reservado na orla para movimentar máquinas e caminhões. Com a BHTrans, adquirimos algumas placas e cavaletes. E, a pedido dela, confeccionei dezenas de bandeirinhas vermelhas para sinalização. Havia um desvio destinado aos pedestres, motoristas e ciclistas. O problema era a curiosidade: dos pedestres, motoristas e ciclistas. Afinal, ver as escavadeiras, recolhendo montanhas de plantas e lixo ao mesmo tempo, acabou atraindo a atenção de todos. Até eu, que assistia a isso o dia inteiro, me impressionava. Os motoristas, curiosos para ver as máquinas, freavam de repente. Ciclistas, olhando para os aguapés e escavadeiras, em vez de olhar pra rua, trombavam nos carros e, para o nosso desespero, nos caminhões. Pedestres também se aproximavam – mais do que deveriam. E constatava desanimada que minhas bandeirinhas desapareciam nas mãos de espertos gatunos. Descobri, enfim, que, assim como o zoológico, o museu e a Igrejinha, os aguapés da lagoa tinham virado atração na Pampulha. Imagina! Aquela praga toda fazendo sucesso!
Sempre fui calma, conto no dedo as vezes em que me irritei com alguém na vida. E foi uma ciclista atrevida que conseguiu me tirar do sério. Sábado pós-chuva, eu de barro dos pés à cabeça, arrumando as placas, conferindo bandeirinhas, pacientemente respondendo aos curiosos as perguntas de sempre, quando escuto os gritos:
– ISSO É UM ABSURDO! UMA FALTA DE RESPEITO! E BLABLABLÁ. – Tudo isso aos berros. Assustada, corri para ver o que era. A mulher, jovem, bonita, de training claro, viseira, óculos escuros, fazendo o maior barraco, pois, em vez de passar pelo desvio, resolveu seguir em frente. Tragédia! Um respingo de barro caíra em sua roupa. Pra quê! Falou tanto desaforo com nossos funcionários, que pensei que alguém a tivesse destratado. Nada! Todos calados, escutando.
– PRA QUE TRABALHAR NO FIM DE SEMANA? NÃO VEEM QUE ATRAPALHAM? VOU RECLAMAR COM A PREFEITURA!
Um dos funcionários tentou argumentar e escutou mais desaforos. Não aguentei e, claro, entrei no quiproquó. A primeira coisa que perguntei a ela foi:
– Você não mora na Pampulha, mora? – Não; ela não morava. E eu: – Bem se vê, porque quem mora na região não se cansa de nos agradecer. Não é você que fica engolindo pernilongo o dia inteiro e passa noites em claro se protegendo das picadas. Ali (apontei para a placa) está o desvio, entrou aqui porque quis. E tem mais: essa lagoa tem 18 km de extensão, por que tem que vir encher a sacola por causa de cem metros?
Nem eu acreditei, mas também falei isso aos gritos. Achei-a tão prepotente e sem educação, que não consegui me segurar. E ela, com o nariz empinadíssimo, saiu resmungando abobrinhas. Uma grossa!
E já que o assunto é barraco, digo, barro... Logo no início do trabalho, quando ainda não conhecíamos bem o “habitat de uma lagoa aguapezada”, aconteceu um fato que poderia ter sido trágico, se não tivesse sido tão cômico. Num dos barcos, Alan, Zé Maria e alguns ajudantes se aproximavam do canal. De repente, o barco encostou-se numa banca de terra. E o Alan, pensando ter alcançado a margem, jogou a corda ao Zé Maria e gritou:
– Pula aí e amarra! – E ele, com a corda e o gancho na mão, pulou. Quer dizer; pulou e sumiu, deixando à vista somente o bonezinho vermelho. Pânico total! “CADÊ O ZÉ MARIA???”, perguntavam-se assustados, até vê-lo, apavorado, ressurgir das profundezas. A terra não era terra, mas aguapés ressecados, cobertos por camadas de barro seco. Ninguém poderia imaginar que, debaixo daquilo, existisse água. Na mesma hora apelidamos a “encrenca” de “Ilha do Zé Maria”.
No decorrer do trabalho, descobrimos dezenas das tais ilhas, algumas enormes, flutuando no meio da lagoa. Quem nunca viu seria capaz de jurar tratar-se de terra firme, onde, naturalmente, poderia descer e caminhar. E foi o que aconteceu com o cameraman de um canal de televisão. Desejando sair do barco para uma tomada externa, pulou entusiasmado. De um lado, terra firme; do outro, “Ilha do Zé Maria”. Adivinhem pra onde ele foi? Ao perceber a tragédia iminente, tentei alertá-lo. Era tarde: o sujeito já havia se atolado até a alma. Ele e sua filmadora.
Enfim, termino a saga dos aguapés. Como disse, a lagoa sempre me fascinou. Adoro vê-la de manhãzinha se confundindo com a neblina. Vê-la com chuva, com sol, no ocaso... Linda! E, às vezes, tão maltratada. Lagoa que faz parte da minha história.
E de pensar que ainda existem especuladores querendo construir prédios ao seu redor...