“Oi! Eu sou a Astrid e é com o maior prazer que eu estou aqui, anunciando para vocês, que está no ar a MTV Brasil”. Foi com essa mensagem que a apresentadora Astrid Fontenelle inaugurou, em 20 de outubro de 1990, a transmissão da primeira era da MTV no Brasil, que durou até 2013. Com uma programação voltada para a música, o canal – que havia estreado nove anos antes nos Estados Unidos – trouxe a proposta de dialogar diretamente com o público jovem. Assim como em vários países, a MTV fez história no Brasil, divulgando artistas nacionais e internacionais (numa época em que não existiam YouTube ou redes sociais), revelando mais de 120 VJs (como os apresentadores do canal eram chamados) e discutindo abertamente temas como a sexualidade e o uso de preservativos.
Astrid, que trabalhou nove anos no canal, guarda na memória os bastidores do início da MTV Brasil. “Era um escritório adaptado num galpão em Pinheiros (em São Paulo). Tinha um estúdio horroroso, mas era o que precisávamos para fazer os testes. O início era muita burocracia e uma busca intensa por VJs”, contou ela. “Eu me lembro também de ter ido com o pessoal ao show da banda do Thunderbird (que viria a se tornar VJ), Devotos de Nossa Senhora de Aparecida, e de termos adorado aquela figura exótica. Também lembro de muita gente famosa fazendo teste, e nenhuma foi aprovada”, revelou.
Jornalista por formação, Astrid já trabalhava como apresentadora de TV quando recebeu o convite dos executivos da MTV Brasil para ser VJ. Lá, ela foi o primeiro rosto do “Disk MTV”, parada musical diária que se tornou um dos maiores sucessos do canal. Naquela época, a relação com o público, segundo Astrid, era uma “conexão real”. “Íamos a shows, e eu amava dar rolê entre o público. Gostava de ouvir as pessoas, ver o que usavam, o que consumiam… Eu recebia centenas de cartas; lia e respondia tudo! A porta da MTV sempre tinha uma galera”, disse ela, que garante que ainda hoje não tem a dimensão do sucesso e da representatividade que tinha entre os jovens.
Aos 59 anos, Astrid, que atualmente apresenta o “Saia Justa”, no GNT, define o período em que trabalhou na MTV como “o mais divertido”. “Nosso trabalho era o que naturalmente consumíamos. Nossas referências eram os videoclipes e o comportamento jovem. Estávamos sempre ligados no que era novo”, explicou. Questionada sobre a primeira lembrança que vem à mente quando o assunto é MTV Brasil, ela afirmou: “Os VJs e o Caetano (Veloso) falando abrasileirado ‘eme-tê-vê’, e não como nós falávamos, ‘eme-ti-vi’”.
De telespectadora a VJ
A gaúcha Titi Müller, hoje com 34 anos, faz parte da geração que cresceu assistindo à MTV Brasil e nem imaginava que um dia se tornaria VJ do canal. “A primeira lembrança que eu tenho da MTV Brasil é na TV de tubo da minha irmã mais velha, lá em Porto Alegre, com o bombril colado na antena, e ela assistindo ao clipe do Guns N’ Roses”, contou ela, que disse ter tido fases com o canal. “Eu assisti muito em 1997, 1998, gostava dos Backstreet Boys, das Spice Girls, do ‘Disk MTV’. Depois, eu passei a assistir ao João Gordo; os desenhos da MTV que eram sempre muito engraçados; foi o programa ‘Meninas Veneno’, da Marina Person, que moldou a minha personalidade praticamente”, relembrou.
Titi começou a trabalhar na MTV Brasil em 2008, produzindo conteúdo para o site do canal. O título de VJ viria no ano seguinte, quando estreou na TV. “Eu lembro quando a Cris Lobo (que era diretora da MTV) me chamou para conversar e falou que eu seria contratada como VJ. Eu voltei para casa escutando o meu iPod muito feliz e comprei um buquesão de flores para mim. Nossa, eu acho que é uma das memórias mais incríveis da minha vida! Eu me senti muito, muito poderosa!”, afirmou ela. “Foi uma sensação muito boa de que a minha vida, a partir dali, ia mudar para melhor e que algo muito frutífero e produtivo estava começando”, ressaltou ela, que apresentou programas como “Acesso MTV e “MTV Sem Vergonha”.
Hoje no Multishow, onde acabou de estrear a nova temporada do “Anota Aí”, Titi garante que os anos em que trabalhou na MTV Brasil foram muito felizes. “A gente era feliz e sabia! Eu me diverti demais na MTV, era muito prazeroso trabalhar lá. Fiz grandes amigos, grandes amores, grandes chefes. Era aquele ambiente anárquico, revolucionário, totalmente livre. Sou muito grata por todos os anos em que eu trabalhei lá, foi um divisor de águas na minha vida, com certeza. E eu não me arrependo nem um pouco de nada que eu fiz lá; eu aproveitei bastante”, disse.
O fim de uma era
A MTV chegou ao Brasil por meio da Editora Abril, que manteve a concessão do canal por 23 anos e o exibia na TV aberta. As atividades foram encerradas em 30 de setembro de 2013, quando a Abril devolveu os direitos da MTV à ViacomCBS, detentora do canal nos Estados Unidos, que reformulou a programação – o “M”, de “music”, acabou ficando de lado nessa nova fase do canal, que também foi parar na TV fechada.
Coube a Astrid Fontenelle encerrar a transmissão da antiga MTV Brasil. “Achei importante chamar pra mim aquela responsabilidade. Eu comecei, fui a primeira cara no ar”, afirmou ela. “Tinha que ser um encerramento vitorioso, e não derrotista. Fizemos uma revolução em muitos sentidos: apresentação, videoclipes, edição de imagens em vinhetas, chamadas… Muita coisa mudou por causa da MTV, inspirada na MTV”, assegurou a apresentadora.
Para ela, a primeira fase do canal deixou um legado: “Os belos anos 90 e todos os seus produtos artísticos! Quer melhor?”. Segundo Titi Müller, que fez parte da última geração de VJs, a MTV Brasil foi um divisor de águas para a geração dela. “O canal foi modelador de muito gosto musical e de valores; abriu muitas portas para gente falar sobre assuntos que eram tabus, como sexo, aborto, a questão LGBT… tudo, na verdade. A MTV sempre teve um papel social muito grande com a juventude”, afirmou a apresentadora. “Fico pensando hoje em dia na importância de uma emissora como foi a MTV Brasil para o momento que a gente está vivendo; acho que talvez as coisas pudessem estar um pouquinho diferentes. Jamais saberemos, né?”, finalizou ela.