Desde que eu me entendo por gente, as vacas das fazendas vizinhas nunca respeitaram as cercas. Nossa casa era naturalmente a continuação de suas pastagens. Contanto que se mantivessem para os lados da pedreira, não havia problema, o que elas não podiam fazer era se aproximar da gente, principalmente acompanhadas por suas crias.
Minha mãe sempre dizia:
– Nunca cheguem perto de vaca com bezerro!
Seu pânico tinha razão de ser, pois, quando menina, correu muito de vaca brava, as vacas da fazenda de meu bisavô. E nos conta divertida que até de vaca morta ela já correu.
A vaca morreu no pasto, fizeram um buraco na terra e a deixaram lá. No dia seguinte, sua barriga havia inchado tanto que parecia uma bola despontando do lado de fora. Olhando aquela cena, minha mãe, ainda menina, resolveu pular em cima. E a barriga foi esvaziando, enquanto a vaca, morta, mugia. Gritando muito, em pânico, minha mãe custou a sair do buraco. E nunca mais quis saber de vacas, nem mortas, nem vivas.
A natureza e os bichos sempre foram marcantes em minha família. Eu e meus irmãos crescíamos cada um de seu jeito. Eu, curiosa e demasiadamente ligada ao meio em que vivia. Paulo, o grande amigo dos animais. Virgílio, além de cuidar da cachorrada, era o “cientista” da casa, com mania de borboletas, sapos dissecados e outras maluquices. Assim como o nosso tio, professor, escritor, cientista e colecionador de libélulas, Ângelo Machado, que morava ao lado.
Na Vila Paulo, como era conhecida nossa casa, havia um barranco enorme. Um dia, meu irmão Paulo, junto com meus primos, resolveu passar um susto na família. Lambrecado de ketchup, foi para o alto do barranco e começou a gritar, enquanto os cachorros latiam enlouquecidos.
– Socooooorro! A vaca! Socooooorro! Ugh... Sooo... Agh!
Claro que minha mãe, ao escutar os gritos, na hora de subir o morro, ficou sem forças e, desfalecida, caiu lá de cima. Mas não foi só minha mãe que caiu desse barranco.
Que eu me lembre, também Rosinha, nossa vaquinha jérsei, quase se quebrou toda num tombo horroroso.
Além de proporcionar quedas e acidentes, o barranco também teve para nós certa utilidade. Do alto dele descia o “estrupício”, uma geringonça inventada por meu tio que, durante muito tempo, nos divertiu.
O estrupício era feito por um cabo de aço amarrado ao tronco de uma mangueira, no alto do barranco. O cabo, por onde corria uma roldana, descia até o pé de jatobá, embaixo do barranco. Descíamos pendurados naquilo como se fosse o melhor brinquedo do mundo! Verdadeiros trapezistas em nosso “circo” particular. Só havia um problema: não conseguimos inventar um freio que evitasse o choque frontal com os galhos e troncos. Tudo bem, um arranhão a mais ou a menos não ia fazer nenhuma diferença em meio aos milhões de machucadinhos e machucadões que normalmente carregávamos.
O tamanho de nossa felicidade estava diretamente ligado à quantidade de machucados e esfolamentos que tínhamos, pois estes eram a maior prova de que éramos ativos e, principalmente, de que éramos felizes.