Da antiga estante, escorrega um livro aos seus pés. Pega-o na intenção de devolvê-lo, quando, em meio às páginas, vê a flor ou, pelo menos, o que um dia fora uma.
Volta-lhe à memória o dia em que, cuidadosamente, guardou-a entre palavras, letras e poemas, para que, assim feito o livro, permanecesse para sempre.
E lá estava ela, com uma flor seca se desmanchando em suas mãos. Sentada no tapete, fecha os olhos. Tantos anos… Recorda.
Início da primavera, de sua janela o via passar. Gostava de ficar por ali, como quem não quer nada e nada mais tivesse a fazer do que aguardar sua passagem. Até que, um dia, se dando conta da sua presença, timidamente, ele lhe devolve um sorriso. O primeiro de tantos. Depois as conversas, os bons-dias e boas-tardes, a fala rápida sobre o tempo, as vergonhas contidas e os olhares furtivos, como naquela época deveriam ser os cortejos, seguindo um ritual, uma espécie de burocracia sentimental, em que era necessário tempo, disposição e paciência – o que, decididamente, não tiveram: o amor deles tinha urgência.
A neta chega de repente e, curiosa, pergunta sobre a flor.
– Uma flor do campo – explica à garota, que quer saber mais.
– Foi dada pelo vovô?
E ela, com coragem, resolve finalmente se abrir. Já era hora de certos segredos serem revelados; omiti-los a quem de direito deveria sabê-los já não fazia mais sentido. A idade avançada, o coração em descompasso e a cabeça esquecida sinalizavam com clareza o que há muito deveria ser dito.
– Não, minha querida, não foi dada pelo seu avô.
E a jovem aguarda o resto da resposta.
– Foi de um grande amor que tive, quando tinha a sua idade. Chamava-se Antônio, era português...
– E por que até hoje você guarda essa flor? – quer saber.
– Porque veio do mesmo jardim onde sua mãe foi concebida – dizia, já não se importando mais com as consequências. E após um longo silêncio, abre-se por completo, sem desvios, sem paragens, de um único fio desfaz o novelo inteiro. Fala do primeiro amor, das horas passadas na janela, dos sorrisos tímidos, das conversas bobas. Dos primeiros encontros, do primeiro beijo, dos abraços apertados, da necessidade de estar junto. A energia fluindo, a força dos hormônios e a paixão sem freios, sem temores e sem limites. Depois, a descoberta do jardim, recanto escondido atrás do muro, onde o amor dela e dele, enfim, se concretizou.
Em pouco tempo, o ventre se avolumando, o medo, a ansiedade e a notícia: “Antônio partiria com os pais de volta a Portugal”. E ela, então, resolve lhe contar o ocorrido. Choram muito, ele conta aos seus pais, que se recusam a saber. “Ela não era moça para ele” e, sendo assim, se apressam em partir.
Depois, a chegada do amigo, fiel companheiro desde a infância, o ombro de toda hora, já que nutria por ela o mais platônico dos amores. Conta a ele o seu drama, e ele, sem pensar duas vezes, assume, casam-se em pouco tempo, e a menina, ao nascer, é registrada com seu sobrenome. De Portugal, nunca recebera uma missiva, nada. Só depois de muitos anos, no leito de morte do esposo, fica sabendo a verdade: as cartas, uma a uma, haviam sido destruídas. Não se importou, talvez tivesse sido melhor assim. Quem sabe seus conteúdos poderiam interferir no verdadeiro amor que ela, com o tempo e a convivência, viera a descobrir – o que nutria pelo marido.
E a neta, ainda se refazendo, enxuga as lágrimas. Foi a história mais comovente e incrível que já ouvira. E pensa no avô distante que sequer sabe da sua existência...