Inclusão

A acessibilidade digital como direito fundamental das pessoas com deficiência

Como garantir acessibilidade e compreender sua importância e os seus significados

Por Joelson Dias* e Ana Clara Rocha**
Publicado em 21 de dezembro de 2023 | 10:32
 
 
 
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Vivenciamos a era em que as tecnologias da informação e comunicação (TIC) tornaram-se inevitáveis. Sendo assim, diante desse ecossistema digital, não se conseguirá garantir direitos fundamentais a todos os indivíduos sem que se assegure acessibilidade digital também para as pessoas com deficiência. Atento à urgência e desafio dessa mudança estrutural, a nível mundial, o Brasil celebrou em 20 de Setembro de 2023 Cooperação com o Reino Unido para Programa de Acesso Digital (Digital Access Programme – DAP), envolvendo o Governo Britânico, a Secretaria de Governo Digital do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (SGD/MGI), o Ministério da Saúde, o Centro de Estudos sobre Tecnologias Web (Ceweb) do NIC.br e o Movimento Web para Todos. O programa foi desenvolvido por meio da série “Acessibilidade Digital em Sítios Web Governamentais: Barreiras de Usabilidade para Pessoas com Deficiência”. Utilizaram-se oficinas, webinários e relatórios elaborados por especialistas em Design de Experiência do Usuário e Identidade Visual (UX/UI), além da análise de documentos governamentais sobre acessibilidade. Essas ações culminaram na criação de um Guia de Boas Práticas para Acessibilidade Digital.

Todavia, como garantir acessibilidade sem compreender sua importância e os seus significados? O conceito de acessibilidade é abrangente e seus direitos são garantidos por instrumentos como a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela ONU em 30 de março de 2007, em Nova York, e ratificada pelo Brasil com status de norma constitucional, além da Lei Brasileira de Inclusão (LBI) e pelo Decreto Federal nº 5.296/2004. Esses documentos asseguram o direito ao uso seguro e autônomo — seja de forma independente ou assistida — de espaços públicos, mobiliário urbano, edificações, serviços de transporte, bem como de dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.

À vista disso, sob o escopo digital, as transformações tecnológicas impactam mais de 18,6 milhões de brasileiros que têm algum tipo de impedimento de longo prazo de natureza sensorial, mental, física ou intelectual, segundo o IBGE. Isso porque, principalmente com a pandemia da Covid-19, quase todas as atividades humanas passaram a ser realizadas com auxílio de ferramentas tecnológicas. Por conseguinte, a inclusão digital inclusão digital é um mecanismo de fundamental importância para a autonomia de pessoas com deficiência ou aquelas que dependem da acessibilidade por qualquer outra condição e, por isto, diversos países estão promovendo iniciativas para a inclusão digital. Além do Brasil e Reino Unido, também a Malásia, por exemplo, lançou, em novembro de 2023, o programa de alfabetização digital para pessoas com deficiência, com o intuito de prevenir a marginalização dentro das políticas governamentais e a promoção da conscientização, segurança online e melhoria da alfabetização digital.

Nesse aspecto, a criação do Guia de Boas Práticas para Acessibilidade Digital, conforme as Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo Web (Web Content Accessibility Guidelines – WCAG) do W3C (World Wide Web Consortium), representa um importante instrumento de mudança social. O guia fornece subsídios teóricos e práticos para a elaboração de estratégias e políticas públicas voltadas para uma internet inclusiva, promovendo a cultura da acessibilidade nas organizações e na sociedade.

Ademais, abrange as áreas de design, conteúdo e desenvolvimento, além de incorporar os princípios da acessibilidade — Perceptível, Operável, Compreensível e Robusto — e os critérios de sucesso, que são classificados em níveis de conformidade (A, AA e AAA). Isso destaca nossa responsabilidade e como podemos contribuir para esse processo de inclusão. O documento também esclarece como gerenciar projetos acessíveis desde o planejamento até a implementação, seguindo os conceitos da W3C. O conteúdo deve ser organizado de forma que a pessoa usuária não seja prejudicada, independentemente do dispositivo tecnológico, janela de Libras ou software leitor de tela que optar por utilizar.

A dedicação minuciosa às sequências semânticas, rotulação adequada, descrições explicativas, atalhos de navegação, alto contraste, navegação integral via teclado e sinalização visual de foco, somada à disponibilização de legendas compreensíveis para todos os espectadores e à transcrição de conteúdos audiovisuais, são aspectos cruciais no desenvolvimento de interfaces web. Tais medidas asseguram que pessoas com deficiência possam utilizar e interagir de maneira eficaz com os conteúdos oferecidos, proporcionando experiências digitais verdadeiramente inclusivas.

Por outro lado, a implementação da acessibilidade digital no Brasil ainda encontra várias barreiras, conforme debatido na 8ª edição do Simpósio sobre Crianças e Adolescentes na Internet, ocorrido em 25 de outubro de 2023. O painel intitulado “Crianças e Adolescentes com Deficiência ou Mobilidade Reduzida na Internet: Qual a chave para uma Internet mais acessível?” ressaltou o problema da pouca divulgação de softwares inovadores que facilitam a interação dos usuários, a defasagem educacional, pois apesar de algumas escolas possuírem disponibilidade de tecnologias, os profissionais não têm o devido preparo em letramento digital, LIBRAS, braille ou na utilização de recursos adaptados para diferentes tipos de impedimentos. Essa formação profissional anticapacitista é vital para a educação de crianças e adolescentes no uso de ferramentas que contribuam para sua evolução integral.

Outros aspectos destacados foram a relevância da linguagem simples para conteúdos, como vídeos, postagens, stories, e também a inclusão de pessoas com deficiência nos processos de teste e desenvolvimento de protótipos tecnológicos, incluindo plataformas, softwares e dispositivos físicos. Isso se deve à ampla diversidade desse grupo, que requer adaptações variadas e em múltiplos níveis.

Em síntese, a colaboração multissetorial é o caminho para a construção da cultura de acessibilidade digital no Brasil, permitindo que pessoas com deficiência, idosos e pessoas carentes de letramento digital tenham acesso a uma tecnologia inclusiva, respeitosa e segura.

*Joelson Dias é advogado, sócio do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados, Brasília. Ex-ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mestre em Direito pela Universidade de Harvard. Membro fundador do ICON – Instituto de Estudos Jurídicos e Diálogos Constitucionais. Representante do Conselho Federal da OAB no Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade). Membro da Comissão Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência do Conselho Federal da OAB. Membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

*Ana Clara Rocha é estagiária do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados, Brasília. Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba(UEPB). Membro do Laboratório de Inovação e Direitos Digitais da UFBA.

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