A Feijoada do Rosa, evento realizado na fazenda Santa Margarida, onde estiveram vítimas da febre maculosa, é uma festa com DJs e open bar de comida e bebida que ocorre há 22 anos, sendo os últimos dez anos nesta fazenda, que fica no distrito de Joaquim Egídio, em Campinas (SP).

Os ingressos da edição deste ano, que teve público de cerca de 3.500 pessoas, custaram R$ 750 na pré-venda e passaram de R$ 1.000 nos últimos lotes. O valor inclui ainda um abadá.

O evento é frequentado por pessoas de classe média e classe média alta, e o público capricha na produção, com fotos que depois estampam postagens nas redes sociais. Na festa, realizada em 27 de maio, estiveram ao menos quatro pessoas que tiveram mortes confirmadas por febre maculosa. Outros casos são investigados.

Barman de evento tem sintomas de febre maculosa

A febre maculosa é uma doença infecciosa transmitida por diferentes espécies de carrapato, principalmente pelo carrapato-estrela. Se não descoberta a tempo, a doença pode levar rapidamente à morte do paciente, entre o 5º e o 15º dia após o início dos sintomas.

O barman Lucas Eduardo Silva dos Santos, 25, que trabalhou no evento, conta que está com sintomas da doença e diz que não recebeu informação dos responsáveis pela festa. Ele relata que, na primeira semana após a festa, teve febre, dor no corpo e náuseas.

Em alerta divulgado nesta quarta (14/06), a Secretaria de Estado da Saúde disse que quem esteve entre os dias 27 de maio e 11 de junho na Fazenda Santa Margarida e tem sintomas de febre maculosa deve buscar atendimento médico imediatamente. Os principais sintomas, de início, são súbitos: febre alta, dores no corpo e na cabeça, prostração, perda do apetite, náusea, vômito e aparecimento de manchas avermelhadas pelo corpo, principalmente nas mãos e nos pés.

Morador de Arujá, na região metropolitana de São Paulo, o barman diz que foi contratado por marcas de bebida para trabalhar na festa como barman freelancer. "Um dia após o evento eu tive várias erupções no corpo todo. Achei que fosse picada de pulga. O estacionamento em que a van ficou estava com o mato bem alto, então eu realmente achei que era picada de pulga e não dei muita atenção", conta Silva.

"Mas é aquela coisa, homem só vai para o hospital quando está quase morrendo, então eu mesmo me automediquei com antibiótico porque realmente achava que fosse picada de pulga. Mas com o passar do tempo foram aparecendo mais erupções nas mãos, nos pés, e as erupções começaram a ficar salientes", conta.

Os sintomas diminuíram depois de alguns dias, mas ele diz que procurou atendimento médico nesta terça (13/06) depois de ver na imprensa e nas redes sociais a repercussão da morte do casal, as primeiras vítimas do surto recente de febre maculosa. "Fui ao médico e fiz um exame. O exame de sangue simples não apontou variação, mas o médico me receitou outro antibiótico e vou voltar lá daqui a alguns dias, por causa dos sintomas que ainda persistem".

Ele afirma que outras duas pessoas da equipe também estão com sintomas e reclama da falta de informações por parte dos responsáveis pelo evento. "Eu não percebi nenhuma placa sobre carrapatos. A gente ficou em um estacionamento em que o mato estava alto, tinha até um galinheiro perto. Nenhuma marca [de bebida], nem o pessoal da fazenda, nem o pessoal da Feijoada do Rosa, ninguém entrou em contato com ninguém".

O medo causado pelas mortes em decorrência dos casos de febre maculosa tem feito o público desistir de outros eventos na região. Giancarlo Pradal, fisioterapeuta, morador de São Paulo e frequentador assíduo da Feijoada do Rosa e e de outros eventos na Fazenda Santa Margarida, conta que amigos desistiram de ir a uma festa em uma fazenda de Indaiatuba, vizinha de Campinas, marcada para os dias 24 e 25 de junho. "A galera está ligando uma questão a outra, carrapato, outra fazenda, estão com medo", diz.

Ele esteve na Feijoada do Rosa com mais de 30 amigos, a maioria empresário e profissionais liberais de 25 a 50 anos, conta. E diz que é comum o acesso às áreas de mato e pasto.

Fazenda foi fechada após casos de febre maculosa

Os responsáveis pela Fazenda Santa Margarida disseram nesta terça que buscando maneiras de viabilizar e estruturar medidas de adequação necessárias, a empresa, por liberalidade, permanecerá fechada pelos próximos 30 dias. "É importante destacar novamente que, nos últimos anos, nunca houve qualquer caso semelhante a este", destacou em nota. Ressaltando que a fazenda está trabalhando num plano de ação que deverá apresentar aos órgãos competentes ainda essa semana.

Seguindo determinação do Departamento de Vigilância em Saúde (Devisa), a fazenda afirma que será apresentada uma listagem dos eventos agendados para os próximos seis meses, além das medidas de cautela determinadas pelo departamento.

Essas medidas incluem a comprovação da comunicação a todos os participantes dos eventos ocorridos na Fazenda Santa Margarida, entre 26 de maio e 3 de junho, informando sobre medidas de saúde e bem-estar a serem adotadas em relação a febre maculosa e, orientações de procurar um serviço de saúde, caso o visitante tenha apresentado sintomas da doença.

Campinas é principal foco de febre maculosa em SP

Nenhuma outra cidade paulista tem tantos casos de febre maculosa quanto Campinas, a 93 km de São Paulo. Só o município responde por 11% (115) dos pouco mais de mil registros no estado, de 2007 até este ano, ou seja, uma média de sete por ano.

E as notificações por cidade reunidas pela Secretaria de Estado da Saúde, as mais recentes, ainda nem compreendem o atual surto.

A enfermidade é um problema de longa data na cidade de mais de 1,2 milhão de habitantes, a terceira maior população do estado, só atrás da capital e de Guarulhos. "Quem mora ou visita Campinas tem que estar informado que áreas verdes têm risco de febre maculosa", afirmou, nesta quarta (14/06), Andrea von Zuben, diretora do Devisa. 

No mesmo dia, a gestão municipal anunciou que, de agora em diante, toda área de risco deverá contar com cartazes, faixas ou placas que indiquem o risco de transmissão da doença.

As outras quatro cidades que historicamente reúnem mais casos de infecção ficam perto de Campinas. São elas Piracicaba (87), Valinhos (51), Santa Bárbara D'Oeste (47) e Americana (40), com uma média de 2 a 5 cinco casos anualmente.

Nos cinco municípios, a enfermidade resultou da bactéria Rickettsia rickettsii, transmitida pelo carrapato Amblyomma sculptum, conhecido como carrapato-estrela. É comum que capivaras sirvam de hospedeiro para essa espécie, que também se refugia em cavalos. A febre maculosa desse tipo de bactéria é grave e pode levar rapidamente à morte.

Uma das explicações para a disseminação da doença no interior paulista é a transformação do uso e ocupação do solo, segundo o biólogo Stefan Vilges de Oliveira, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia. "Matas nativas foram ao longo dos anos sendo modificadas com a expansão da agricultura, que acaba fornecendo alimentação para o principal hospedeiro dos carrapatos, as capivaras", explica ele, um dos organizadores do guia "Febre Maculosa: Aspectos Epidemiológicos, Clínicos e Ambientais".

Oliveira afirma ser complexo controlar a doença, uma vez que sua disseminação envolve animais silvestres. Uma das saídas, a seu ver, é avisar à população quais são as áreas de risco e alertar sobre a necessidade de procurar ajuda médica rapidamente em caso de sintomas.

Febre maculosa na região metropolitana e litoral

Santo André e São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, ocupam o sexto e o sétimo lugar da série histórica, com 33 e 32 casos respectivamente. Mas a primeira cidade teve seu último caso em 2018 e a segunda, em 2020.

A capital paulista, por sua vez, aparece na décima posição, com 27 casos acumulados desde 2007, sendo o último deles em 2021. Em comum, essas três cidades observaram a transmissão da febre maculosa por outro carrapato: o Amblyomma aureolatum, que igualmente carrega a Rickettsia rickettsii. Seus hospedeiros podem ser cães e gatos com acesso a áreas de mata atlântica.

Episódios da doença no litoral paulista foram bem mais raros. Ubatuba, por exemplo, somou 12 casos desde 2007. Em Caraguatatuba, houve sete; São Sebastião teve cinco e Bertioga, apenas um. Nesses municípios, a infecção foi associada à bactéria Rickettsia parkeri, cujo vetor é o carrapato Amblyomma ovale, e os sintomas são considerados menos severos em comparação aos provocados pela bactéria Rickettsia rickettsii.

Letalidade da febre maculosa

De 2007 até este ano, a letalidade da febre maculosa nunca ficou abaixo de 34%, taxa observada tanto em 2007, quando houve 12 óbitos em 35 casos, quanto em 2008, ano com 16 mortes em 47 casos.

Esses dados abrangem casos registrados em São Paulo em que a infecção ocorreu não só no próprio estado mas também fora dele, o que são poucos.

A mais alta proporção foi observada em 2014: de 85 pacientes, 60 morreram devido à doença, o que corresponde a 71%.
Quatro anos depois, São Paulo teve seu maior número de casos. Foram 115, com 63 mortes (55%).

(Francisco Lima Neto/Folhapress)