A microempresária Alessandra Veita Lobo Collichio Ferreira, de 49 anos, ficou cega e perdeu o olho direito após ter realizado uma blefaroplastia – cirurgia estética de relativa baixa complexidade que objetiva retirar parte da pele “caída” nas pálpebras. O procedimento foi feito em Minaçu, cidade no Norte de Goiás, a 500Km da capital, Goiânia, no início de junho deste ano. Agora, a Polícia Civil investiga suspeita de erro médico e abriu um inquérito para investigar a conduta dos profissionais envolvidos.
Três médicos participaram da operação: Ariano da Paz Melo, que era amigo da família, Ana Claudia Santos Queiroz, profissional de Minas Gerais que não tem autorização formal para atuar em outros Estados, e a anestesista Adriana Silva Aleixo. Paz Melo, que se apresentava como oftalmologista, não possui registro como especialista junto ao Conselho Regional de Medicina (CRM) de Goiás, coisa que a família descobriu, apenas, após o trauma.
Marido de Alessandra, o professor de educação física Eduardo Augusto Ferreira, de 52 anos, conta que os problemas com a cirurgia começaram no mesmo dia quando a esposa recebeu alta médica, em uma terça-feira.
“Ela sentiu o olho direito pesado e muita, muita dor de cabeça. Ali começou o sofrimento. Passou o dia vomitando de dor, e entramos em contato com os médicos, que receitaram analgésicos”, lembra. Na quarta-feira, Eduardo levou a mulher ao hospital onde ela foi operada. Lá, os profissionais de saúde aplicaram remédios para dor por via venal e, até aquele momento, nenhum exame oftalmológico havia sido feito.
No dia seguinte, a visão de Alessandra ficou embaçada e, horas depois, foi perdida. Em mensagens trocadas com os médicos, o professor perguntava o que estava ocorrendo e, as respostas, eram sempre um indicativo de normalidade.
“Disseram que é um processo, que [o procedimento] ia fazer efeito, quando passasse ela voltaria a enxergar. Isso durou quatro dias. Na sexta ela voltou para o hospital, o que minimizou a dor, mas o olho dela inchou bastante. No sábado de manhã levamos de volta na clínica. Primeira vez que fizeram exame oftalmológico, e nos disseram que era um processo inflamatório”, continua. Mais remédios analgésicos foram receitados, e a médica mineira, informou que viajaria a Minas Gerais e que, poucos dias depois, retornaria à cidade.
O casal buscou, nesse momento, uma oftalmologista da capital de Goiás, que alertou – não havia como salvar a visão de Alessandra, mas ainda era possível tentar preservar o globo ocular. Os dois viajaram quase 500Km até Goiânia e a mulher ficou internada por 40 dias em um hospital, passando por diversos procedimentos médicos que tentavam evitar que o olho dela fosse perdido.
“Ela fez uma cirurgia, um transplante de córnea às pressas. Já sem esperança de visão. Fiquei 40 dias em Goiânia com ela, cuidado era necessário de hora em hora. Fiquei sem trabalhar, e, depois desse tempo, tive que voltar a Minaçu. Ela ficou por mais dois meses no hospital e passou por mais uma cirurgia. A córnea dela estava demorando para cicatrizar. [Os médicos que iniciaram o procedimento estético] não deram apoio nenhum. Nunca conversaram com ela. Nunca mandaram mensagem, ou perguntaram se ela precisava de alguma coisa. Nada. Foi bastante revelador. Eram amigos, mas ficou o trauma”, desabafa.
Alessandra, hoje, convive com depressão e crises de pânico recorrentes, além de ter sido medicada com drogas de tarja preta. “Ela está passando por tratamento psiquiátrico. Ela tem pânico, tem fobia de várias coisas, está tomando dois remédios muito fortes, tarja preta, para conter os surtos, para tentar dormir. Virou um trauma físico e um pesadelo psicológico”, relata Eduardo.
O casal registrou um boletim de ocorrência contra os três médicos e Alessandra passou por um exame de corpo de delito – que foi feito em uma cidade a pouco mais de 100Km de distância de Minaçu, onde não há como realizar o procedimento. A reportagem questionou Eduardo sobre danos financeiros sofridos com a situação e o erro médico denunciado, mas, por telefone, ele disse que não havia ainda pensado sobre isso.
“Nossa vida ainda está de cabeça para o ar. Devo ter gastado pelo menos R$ 50 mil. O que passa na minha cabeça é que quero resolver o problema de minha esposa, que se dane o resto, por ora”, respondeu. A mulher deve precisar usar uma prótese – que já foi comprada – e é supervisionada por médicos de Goiânia.
“Ela tem ciclos de muita raiva, revolta. Se não controlar, pode piorar. Junta com a depressão. É um quadro tão novo, que é difícil de descrever. Moramos a 500Km de Goiânia, então tudo é mais complicado. O que eu sinto é muita pena do que está acontecendo, primeiro por causa dela, mas sinto pena de que eles [os médicos] não tenham tentado de alguma forma acalmá-la, ou dar um suporte. A gente tinha uma amizade. Não desejo mal para eles, na verdade não desejaria para ninguém ser denunciado na Polícia Civil. Não deve ser fácil. Mas a minha esposa está sofrendo muito. O mínimo que poderiam dar é um suporte”, conclui Eduardo.
O CRM de Goiânia informou que não foi informado oficialmente da denúncia, mas ressaltou que a mulher entre com uma notificação junto ao conselho. A clínica responsável pelo procedimento – Visage, em Minaçu – foi procurada por telefone.
À reportagem, a recepcionista disse que foi orientada a não encaminhar contatos e que “só o advogado” poderia responder sobre o ocorrido. Contudo, ela disse não saber como localizar o profissional.
O TEMPO questionou, ainda, se Ariano da Paz Melo estaria no estabelecimento e poderia dar sua versão dos fatos, mas ele estava “em atendimento” e “não tem agenda” nesta quarta-feira (27). A Polícia Civil confirma que o inquérito está em andamento.